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Manhã de quinta. Após uma semana gélida e chuvosa ele acorda e vê o sol brilhar pela janela, fraco e insólito, mas acolhedor. Vestiu-se e preparou o café amargo, como era costume de todas as manhãs. Pegou o pão velho e o queijo que estavam sobre a mesa. Pouca tinha sido a diversidade em sua alimentação nestes últimos anos; revezava café e cerveja, pão dormido, queijo e algumas refeições que fazia na rua. Seu dinheiro não era suficiente para boas refeições ou bebidas caras, apesar de algumas vezes ele se permitir ao luxo de boas doses de uísque ou um vinho barato, ao qual desfrutava em silêncio, na solidão escura de seu quarto em uma pensão clandestina pertencente a uma velha cujo nome ele não recordava.

Não considerava sua vida ruim, pelo contrário. Agradava-lhe muito lembrar que saíra de casa aos 20 anos para estudar e largara a faculdade para seguir com seus desejos de aventura.

Passara o resto da manhã vislumbrando os lados ‘obscuros’ da cidade. Considerava os pontos turísticos, admirados por todos, símbolos marcantes do capitalismo, sem significado, sem emoção. Apreciava o lado real, as pessoas em movimento, em seu cotidiano metódico, com a mesma rotinha diária, sendo usados como robôs para alimentar um governo corrupto que não se importa com elas.

Achava gozado como se sentia bem estando despreocupado e tranquilo em um mundo turbulento, cercado por pessoas com impérios materiais, mas sem o sorriso no rosto que ele sempre exibia quando parava para ver o mundo.

Não tinha nada. Casa, carro, dinheiro. O contato que tinha com isso eram as lembranças da época que vivia com os pais. Gostava das lembranças; traziam-lhe uma agradável sensação nostálgica, mas não sentia falta dessa vida.

O meio dia chegara e ele voltara para a pensão. Comeu sopa e pão velho, leu o jornal e fez as malas. Saíra à porta já era final de tarde; alguns raios de sol ainda passavam por entre os arranha-céus e tocavam o seu rosto.

Era maravilhosa a sensação de saber que, mais uma vez, ele saía sem rumo, de braços abertos para um mundo que continuava surpreendente e magicamente desconhecido, mesmo depois dos 10 anos em que abrira mão de tudo e se dera ao luxo de viver.