Coração Saudável

João sai todos os dias de sua casa às 05h30min da manhã e vai à padaria, há anos ele tem essa mesma rotina, desde que se divorciou de Tereza, a mesma nunca mais voltou... Ele é um homem de meia idade, cabelos grisalhos e olhos azuis, têm duas filhas, Ester e Ana, ambas já são adultas e moram fora.

Certo dia, enquanto caminhava até a padaria, João, passando pela casa de Maria, antiga professora de uma de suas filhas, viu um velho sentado em um banquinho surrado na varanda da casa, o idoso acenou para que João fosse até ele.

— Bom dia rapaz — Disse o velho.

— Bom dia. — Disse João, ainda caminhando até o velho.

— O Bom homem poderia me fazer um favor? Se não for muito incômodo, é claro.

— Oh, de forma alguma, em que posso ajudar?

O velho levou a mão ao bolso da camisa de seu pijama, e de lá retirou uma cédula de vinte reais, estendeu sua mão esquelética na direção de João, e o mesmo, meio que com receio pegou a nota.

Num sussurro o velho lhe disse. — Vá à padaria e traga para mim duas caixas de biscoitos “Coração Saudável”. — E depois de dar uma olhada por cima do ombro, continuou num tom mais alto — Pode ficar com o troco quando voltar.

João sorriu simpático, enfiou a nota no bolso e continuou seu caminho.

Os biscoitos “Coração Saudável” foram proibidos há alguns anos por conterem um alto teor de açúcar, depois de algum tempo eles voltaram a ser comercializados e ninguém mais fez nada a respeito.

Chegando a padaria, depois de encarar uma fila quase interminável, mesmo sendo apenas 6h da manhã, João logo foi atendido por uma jovem muito baixa, de modo que ficava quase oculta atrás do balcão. João pediu seu habitual pão francês e mais os biscoitos. Pagou, e se foi.

Chegando ao velho, João entregou-lhe os biscoitos e o troco, o idoso insistiu para que ficasse com o dinheiro e então, João o recolocou no bolso de sua calça.

— Obrigado, ééérr... Como você disse que se chamava? — perguntou o velho, enquanto agarrava as caixas contra o peito.

— João, — Respondeu — João Martins.

— Obrigado então, João. Eu me chamo Joaquim e não moro aqui, estou na casa da minha filha, Maria, conhece?

— Sim, ela deu aulas de matemática para Ana, minha filha mais nova.

— Oh sim! Maria é uma excelente professora! — Obrigado mais uma vez, João, espero poder vê-lo muitas outras vezes.

— Não precisa agradecer, quando precisar de alguma coisa é só me procurar. Adeus.

Depois da conversa, João voltou para casa. Já se passava das 07h da manhã.

Na manhã seguinte, em seu trajeto rotineiro à padaria, João passou pela casa onde vira Joaquim. Mas quem estava lá, no banquinho, era Maria, aos prantos.

João correu até ela e ajoelhou-se a seu lado, ela o olhou, seus olhos que eram verdes estavam em vermelho vivo. Ele deslizou seus dedos pelos cabelos ruivos da professora até o rosto, levemente enrugado, e perguntou calmamente:

— O que houve Maria? Porque está chorando assim?

Maria por um longo momento ficou calada, João teve a sensação de que não devia ter dito nada, mas então, sendo interrompida por soluços constantes de seu choro ela respondeu:

— Quando acordei no meio da noite, encontrei meu pai jazido em cima da cama. Ao seu lado estavam duas caixas de biscoitos. Ele era diabético merda!

João sentiu uma palpitação no peito, como se o mundo a sua volta estivesse parado, só podia sentir o sofrimento da mulher ao seu lado e mais nada. Maria pôs sua cabeça sobre o ombro de João, ele a cingiu o pescoço com o braço, e ficaram os dois ali.

* * *

Algum tempo depois João e Maria casaram-se, Joaquim foi velado no município onde morava e os biscoitos “Coração Saudável” foram novamente proibidos.

FIM

Marcel Sepúlveda
Enviado por Marcel Sepúlveda em 27/04/2013
Reeditado em 08/05/2013
Código do texto: T4261562
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