O VELÓRIO DO COMPADRE JOÃO

 
          Notícia do dia: “Compadre João enfarta ao pegar, no flagra, a filha fazendo safadeza com o primo.” Anunciava a rádio local, causando comoção na pequena cidade de Poço Sem Água.

          Ritinha, a linda donzela dos lábios rosados - mal se tornou moça e já deu seu tesouro - mandando o pai para a “terra dos pés-juntos”. Tião nem precisou insistir, com doces beijos, e uma pegada forte, deixou a prima mais mole que boneca de mamulengo; minutos depois, aconteceu a triste cena: o flagrante por trás da moita e a morte de Compadre João.

          No velório, a tristeza era geral; todos queriam se despedir do generoso fazendeiro conhecido como “padrinho do povo”. As eleições já estavam ganhas, mas o homem não seria prefeito; nem teve tempo de quintuplicar o que investiu com dentaduras, remédios e consultas médicas para os pobres.

          Comadre Marlene, sua esposa, estava aos prantos à beira do caixão, gritava em desespero: “Nããão, não, nããão... Meu Deus, por que foi que levasse um homi tão bom? Me lava junto, João... O que vai ser de mim sem você, nem filho homi, e com essa danada pra criá? Ela num podia fechá as perna e esperá mais um poco. Agora vô tê que trabalhá. Quero morrééé.”

          A menina, no canto da sala, chorando a morte do pai - e pensando no que ficaria de herança – nem podia se aproximar. Todos a recriminavam, e sua mãe, não aceitaria dividir os holofotes com ela. De longe, observava a mulher abraçando o caixão "desconsolada", antes dessa se desequilibrar com o salto de 15 cm, cair por cima de um castiçal de velas acesas, derrubar uma coroa de flores e arrastar o caixão junto; Comadre Marlene dava o último beijo no “amor de sua vida”. Uma das velas tocou a cortina da janela, espalhando as chamas em segundos.

          Quinze anos atrás, Comadre Marlene foi promovida de filha da empregada a esposa do patrão. Na flor dos seus 16 anos, e com um incentivo da mãe, deitou-se e engravidou do então viúvo Sr. João, que para se sentir vivo aos 55 anos, não resistiu aos encantos do doce pássaro da juventude. Já com ambições políticas, imaginou que uma primeira-dama jovem e bonita faria bem à sua imagem. A cidade não ligaria para a diferença de idade entre eles, afinal, quando alguém tem dinheiro, não existe moralismo, o que importa é o amor.

          Ritinha herdou da mãe o fogo debaixo da saia, e do pai, o mau-caratismo; mas Poço Sem Água, como todo eleitor de curta memória, esqueceu-se dos históricos do defunto e sua esposa. Pobre menina - vítima da falsa moral que matou o próprio pai - muito jovem aprendeu o famoso ditado: “Faça o que eu digo, e não o que eu faço”.

          O cenário seria triste, se não fosse hilário: gritos e correria na sala, políticos e fazendeiros caindo um por cima do outro, adultos e crianças aproveitando para furtar objetos (deles por direito), Ave-Maria e Pai-nosso a torto e a direita, cachorro latindo do lado de fora; um verdadeiro espetáculo de circo. Após apagarem o fogo - com a água dos vasos de flores que embelezavam o salão nobre da Câmara de Vereadores - um bêbado, que compareceu para prestar suas homenagens, aproximou-se da viúva, ajudou-a a se levantar, deu-lhe um pedaço de pano para enxugar suas lágrimas, e disparou: “Que horas vão servir o cafezinho e os biscoitos?”.

          Manchete do dia seguinte: “Velório de Compadre João vira evento do ano”.

(Imagem: Internet)
Robson Alves Costa
Enviado por Robson Alves Costa em 30/04/2013
Reeditado em 20/08/2014
Código do texto: T4267556
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