O TOMBO DO CAMINHÃO - A voz do Zé Lara eu conta

Relato do Zé Lara meu pai

filho de maria e josé, irmão de muitos josés e muitas marias

cuja voz miúda insiste, viva, a criar raízes

Minha voz não tá boa, tem hora que tora a conversa no meio... ai! Não, João Tico era o pai dele. Tico só era o apelido do aleijado dono do caminhão, faltava uma perna, aliás não sei se ele não tinha as duas, uma eu sei que não tinha. Ele se arrastava para entrar no caminhão e depois ganhava o mundão. No corcavalo, nos tempos das água, muito barro na subida ele não subia fácil, na gente dava medo, e ia.

Nunca virou o caminhão que nem o Xisto fez, um dia na rodovia indo lá ia pro lado do Piumhi, do Piumhi pra Pimenta, o caminhão cheio de latão de leite, que era leiteiro o caminhão do Xisto naquele tempo. Sempre tinha umas mulher e uns homem com ele, mulher pobre que não tinha com pagar, que ia de carona. Tombo o caminhão com esse povo tudo, chiou. Uns falava da pressa do ir e outros que tinha que ir pra delegacia, e deu trabalho pra ele coitado. Eu tava não, sei não como ele fez aquilo, se fez a curva depressa, tombo.

Uma vez foi comigo lá na saída da Pimenta, naquele tempo era de chão a saída da cidade. O lado de asfalto ia pra Pimenta e o lado sem ia pra Grama. Nós ia pro Piumhi carregar o caminhão de tijolo que era vendido na Grama. Nesse ato foi direto, subiu da estrada pro asfalto, e a estrada era assim bolada, se vai assim tem um lugarzinho alto, o Xisto foi atravessar e não tirou a velocidade do caminhão, quando subiu deu um tranco, a porta abriu. O Bonito no meio e eu na beirada do lado da porta, o Xisto no piloto. E eu cai no chão meio tonto meio zambezambe , correndo sangue praqui afora no rosto, um corte na cabeça. Nós lá ia buscar tijolo, uns olhava, uns deu pra dizer:

_ Ocêis tem que ir pra Pimenta, que tem mais recurso. Compadre Xisto, meio tonto de sem saber o que, disse:

_ Nós vai pra Piumhi. Na camisa pingou sangue, o Xisto tocou pra Piumhi . Chegando falou “nós vai chegar no hospital e ocê não conta nada, fala que machucou”. Mas aí tá sem jeito, uai?! Não acasalava bem picar o ocorrido e guardar pedaço, falei a verdade: que ele perdeu o controle.

Foi assim que me levaram pra dentro e veio os ponto, vai doer pra lá! Com uma mão o doutor segurava o couro e com a outra fisgava puxando pra cima, esticava e metia a agulha de novo e furava mais uma vez que nunca terminava. O Xisto, depois de tranquilo, pensou na Luzia, coitada. Que ela cuida de nós pra não saber dessas coisas acontecer, então combinado ficou que eu chego de chapéu de lado, na cabeça dando de encobrir o taio e os ponto, que vai que ela até passa mal de ver a lanho? Pois que tarde, no escuro da noite, chegamo devagar. Em tudo silêncio, a Luzia desconfiada olhou como se mãe fosse, sentenciou:

_ Que foi boa coisa isso não é. Cê tinha que ficá cheirando beira de caminhão?

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 31/05/2013
Reeditado em 31/05/2013
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