JOÃO COITADO E SEU EXAME D E FEZES

Após ter sido forçado pela esposa a lavar a cueca, meu compadre andava cabisbaixo e um pouco deprimido com a chacota dos colegas de trabalho que não perdiam tempo tirando sarro do pobre homem.

O milharal em fase de crescimento e o mato não nos davam trégua, éramos um número sempre acima de meia dúzia de trabalhadores atarefados na capina da lavoura, e as brincadeiras se tornavam inevitáveis. Vez por outra tinha alguém caçoando querendo contratar os serviços de meu compadre João Coitado, para a lavagem de roupas. Em principio eu não disse nada, mas no final quando percebi que a brincadeira estava passando do limite humilhando-o, tive de jogar uma balde de água fria chamando atenção da turma.

--E ai Joãozinho, minha mulher viajou ocê num quer lavar minhas cuecas? Pago bem. —Cumé quié Seu batedor? - É de pedra ou de pau, - já arrumou fundo de pau naquela sua bacia furada cocê mim pidiu mode arrumá—oia ocê num inventa fervê roupa naquela lata quieu arrumei fundo de pau nela procê não, já viu, senão ela queima. -- Há ia me esquecendo seu sogro tamém é craque pra botar fundo em vasilhas, seja tambor, lata ou bacia, qualquer coisa ocê pede ajuda pra ele. Só num deixa ele sabê do causo da cueca sinão ele é capais de te toma a muié travêis.

Naquele momento um gavião acauã iniciou seu conto agourento no meio da mata virgem na reserva ambiental, logo outro respondeu ao longe no cerrado. Feliciano um companheiro já idoso muito brincalhão pergunta para a turma:

Quem doceis sabe dizê o que aquela acauã ta dizeno?

-Joãozinho respondeu:- - ta falano é cocê velho safado, vê La cocê vai inventá dessa vêis!

Cumigo não é cocê memo lavadô de cuéca cagada, iscuta a cantiga dele vai – lavá lavá... cuéca-- suu—tiã, cueca - suu-tiã! Entoando esse refrão o velho imitava a ave de rapina. Ele avermelhou e quis partir para a briga com a enxada suspensa no ar.

Interferi a seu favor, contiveram-se os ânimos, mas eles só o deixaram em paz quando eu esbravejei pedindo respeito a ele como um ser humano igual a todos nós.

À tarde ao encerramos nossa jornada de trabalho se desculparam com ele. Era mesmo um João Coitado e não se ofendeu com ninguém.

No dia seguinte ele pediu-me se teria como encaminhá-lo ao medico que atendia pelo sindicato rural.

--Ieu num to nada bão cumpade imagina ocê ieu to danado mode cumê torrão.

--Torrão compadre que isso homem, isso é coisa que se fassa?

--Levanto de manhã cedo quando da aquela vontade arranco um torrão da parede quando vejo já to cumeno.

- Se prepare amanhã encaminho você ao médico.

No dia seguinte o levei ao medico. De volta a casa perguntei

E ai compadre João como foi sua consulta?

--Dotore mandô ieu fazê izame de féiz, mode vê o tipo de lumbriga qui ta me azucrinano!

Alguns dias depois eu perguntei, como é compadre você não tem que levar o material para exame?

-- Uai ieu to ajuntano mode levá!

Como é, ajuntando o que, não me diga que está desde aquele dia juntando fezes!

--Já tem quais um litro, mais lumbriga que bão memo inda num saiu niuma não, as bichas parece qui ta divinhano o qui vai sobra pra eza!

-- Você ta maluco homem você deve levar uma amostra pequena numa vasilha bem tampada. Amanhã você pega carona com o leiteiro e vai levar esse material, volte de ônibus eu busco você no Engenho à tarde -, estamos combinados?

-- Mais inda num saiu lumbriga não!

-- Quem disse que você tem que levar lombriga?

-- É só um pouco de fezes, mas é pouca, ta ouvindo?

-Esterilizei um pequeno vidro com tampa de borracha e passei a ele

--Ta bão intão ieu levo só um tiquinho!

No dia seguinte ele seguiu minha recomendação. À tardinha fui ao Engenho o apanhar. Perguntei,como é compadre deu tudo certo a que dia vai apanhar o resultado do exame?

- Semana que entra, ma num to cum fé naquele trem não, aquele tiquinho cu home tirô da pra nada não!

-- Pode me dizer por que, você não levou no recipiente que lhe arrumei?

--Uai ieu achei aquele vidro piqueno dimais, peguei ua lata de massatumate vazia, daquez meiâ, inchi ela ponhei o papel na boca marrei cum cordão inrredó igual quando nois levava merenda de farinha cum rapadura pra iscola, ocê alembra, e levei. Sirviu pu home dana cumigo!

--Isso é forma de carregar material pra exame seu caipira besta?—Tome esse recipiente e tire e um pouquinho e traga seu besta!

Dano dimais cum ieu, mando ieu adonde ieu quisesse tirá um tiquinho e cunsumi o resto. Fiquei morreno de vergonha tinha um montão de me zoiano. Incostei no muro daquela casa bacana infrente, tirei um tiquinho e juguei o resto dotro lado naquele jardim bunito.

--Compadre aquela casa é do DR Roberto prefeito da cidade, como é que você faz isso, tanto ele como a esposa dona Joesse são pessoas excelentes ambos tem corações de ouro, não merecem um vandalismo desse não!

-- Que Isso qui nome esse cocê falô?

--Ah deixe pra La, você não vai entender mesmo. Amanhã você conta essa pra turma na roça viu, vão acabar com você!

Pelamor de Deus ocê numa conta pra ninguém não chega à vergonha qui ieu passei hoje.

Ta bem vou contar só ao velho Feliciano e mais uma pessoa em cada casa.

PRA SEMANA TEM MAIS.J.C.

Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 01/11/2013
Reeditado em 19/11/2013
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