As Ceias

Havia uma espécie de tradição na região onde morávamos que eram as ceias, em que apenas os homens participavam.

A particularidade deste evento era que o prato principal, geralmente galinhas, patos ou galos não podiam ser comprados e sim “emprestados”.

“Se não for surrupiado não tem o mesmo sabor”, diziam os mais experientes.

Meu pai, tios e irmãos mais velhos promoveram e foram convidados para muitas delas.

Eu tive a oportunidade de participar de uma, quando já morava na cidade.

Num sábado à noite, estávamos reunidos num baile no Clube Delfinense, e as coisas não andavam muito animadas por lá.

Meu amigo Tarcísio me chamou de lado e sugeriu:

- Magrelo, que tal fazermos uma ceia na minha casa? – Meus pais estão passando esse final de semana na fazenda. Animou.

- Só se for agora. Respondi sem pensar.

Tratamos logo de reunir os “convidados” e fomos distribuindo as tarefas de acordo com as “habilidades” cada um: O Dálcio, filho do prefeito e meu primo Antonio Carlos (o Fêio), ficaram de “emprestar” o prato principal, que posteriormente ficaríamos sabendo que fora subtraído de um caseiro da fábrica Colombo.

O Tarcísio e o Armando se encarregaram do tempero, arroz e macarrão.

Eu e meus primos Sávio e Carlos (o Cal) fomos incumbidos de providenciar cerveja e cachaça.

Lembro-me que para completar a cota necessária de pinga compramos uma garrafa da famosa “aurora”, de um bêbado (O Claudinho das Candôngas) na rua mesmo, uma vez que todos os bares já estavam fechados.

Ele relutou em vender, mas nossos argumentos foram mais fortes e ele cedeu.

Para nosso cozinheiro foi escalado o Reginaldo que era mestre e experiente na arte da culinária mineira.

Tudo providenciado, fomos para a casa do Tarcísio, por volta de meia noite.

A animação foi grande enquanto preparávamos tudo. Acendemos um enorme fogão à lenha, depenamos duas gordas galinhas, acertamos alguns detalhes e deixamos o resto por conta no nosso “mestre cuca”.

Enquanto esperávamos, tomamos bons goles de pinga, relembramos casos do Grupo Escolar Marquês de Sapucaí e contamos muitas piadas.

Por volta das 2 horas estávamos já bem “calibrados” e com uma fome de lascar. Mas o Reginaldo era eficiente e logo podemos nos servir.

Resultado: Por volta das 3 horas tínhamos dado conta de toda comida e bebida que havia por lá.

Acontece que mesmo no domingo, alguns tinham suas obrigações. Era o caso do Tarcísio e Antonio Carlos que deveriam estar nas fazendas de seus pais de madrugada para ordenhar seus rebanhos.

Resolvemos dormir um pouco e alguém colocou o despertador para acordarmos às 5 horas. Teria dado resultado se não fosse alguém jogar o despertador pela janela tão logo ele se manifestasse.

Fomos obrigados a acordar por volta das 7 horas.

Tarcísio selou um cavalo e saiu apressado fazendo mil recomendações aos demais. Meu primo não teve a mesma sorte. Teve que marchar a pé até a fazenda e eu, em solidariedade, o acompanhei. Sorte que seu irmão Paulo Sérgio havia tomado as providências necessárias por lá.

Os demais, sem maiores compromissos ficaram encarregados da limpeza e arrumação daquela desordem.

Até hoje, quando encontro um desses amigos, essa lembrança é pauta em nossas conversas.

Mas não pensem que nossos galinheiros estavam imunes aos “fazedores de ceia” não. Vez ou outra eu ouvia minha mãe reclamar para o meu pai que alguma ave havia desaparecido de nosso galinheiro.

Meu pai, fingindo-se de preocupado dizia sempre:

- Deve ser algum bicho do mato, vou verificar.

Mas no fundo mesmo acho que ele pensava: “Chumbo trocado não dói”.

E as ceias continuaram por muito e muito tempo. Penso que hoje já não existe mais.