A grande catástrofe de 1936

Todo mundo sabe que a Campina da Cascavel está elevada à primeira categoria nas catástrofes de toda sorte e a de 1.936 foi deveras apavorante, mas que no final das contas ajudou em muito o profuso desenvolvimento de nossa cidade.

Aconteceu no inverno daquele ano, numa semana sem chuvas e sem lua. Os lampiões foram-se extinguindo um a um como numa premonição da natureza e todos os xanxereenses estavam preparando-se para dormir. Os cachorros foram soltos, mas por um instinto animal desconhecido, esconderam-se em baixo das casas de seus donos, logo após verem-se livres. Não se ouvia o cricrilar dos grilos, tampouco o coaxar dos sapos nos abundantes banhados da Campina da Cascavel.

Ouvia-se um silvo distante, mas era só.

Quando tudo escureceu e os casais beijaram-se antes de dormir, um estrondo sem proporções tirou e derrubou todos de suas camas. Era ensurdecedor e medonho e ninguém conseguia saber o que era. Os mais corajosos saíram às ruas e encontraram o delegado de arma em punho como se quisesse defender toda a população com aquele gesto. Uma grande nuvem de poeira começou a cair sem dó nem piedade e eles sentiam os tremores em seus pés e seus ouvidos doíam e não foi possível conjuminar uma palavra sequer sobre o que fariam e para onde iriam. Resolveram esconder-se na igreja, por que se fosse o fim do mundo já teriam a extrema unção realizada pelo medo do Padre Dimas a encolher-se cada vez mais ao chão.

Foi a coisa mais aterradora que aconteceu, e ninguém sabia o que aconteceria logo que o dia raiasse. Porém, ouviu-se uma explosão – assim achavam – e tudo ficou num silêncio sepulcral. Dali a instantes os cachorros começaram a latir e pareceu àqueles apavorados, que tinham sobrevivido, não importava como e do jeito que fosse.

Mantiveram-se em vigília pelo restante da noite e quando não foi mais possível continuarem insones, dormiram pelo chão da Igreja. Todos juntos, apertados, como uma grande família que não deseja perder nenhum membro. Ricos ou pobres, aquela massa dormente mais parecia um tapete divino, pois a cena era muito bonita. Era a união dos xanxereenses, o legítimo amor ao próximo.

Quando amanheceu, já haviam gentes perscrutando o acontecido e foi quando encontraram uma grande rocha jazida que encontraram também o seu rastro e seguiram por aquele enorme canal que cortava todo o vilarejo e ia longe, tão longe que deram o início da catástrofe acontecida na nascente do Rio Xanxerê.

Perceberam também que a água já transcorria normalmente por aquele canal feito sabe-se lá como e desembocava naquele grande buraco onde a rocha estava.

Foi o tabelião e o Padre que desconfiaram da origem daquela rocha e supuseram ser algum asteroide de núcleo rochoso que caiu na Campina da Cascavel assustando a todos naquela noite de horror.

Ninguém entendeu patavina. Como também ninguém acreditou naquela conversa erudita entre os dois, e por muito tempo evitaram o contato com aquela grande pedra, e mesmo com a água que percorria o canal.

As mulheres ainda lavavam suas roupas na nascente, para que nada de ruim acontecesse, caso fossem lavadas com a que corria livremente ao longo do trecho percorrido pelo dito asteroide.

Não comentavam sobre o assunto, nem em noites de lua cheia, quando os velhos contavam causos aos mais moços, por medo de trazer outra desgraça igual daquela, ou pior.

Notaram, em março do ano seguinte que não houve enchentes, comuns naquela época do ano e começaram a pensar que mesmo com o medo de que acontecesse outra catástrofe como aquela, eles estavam livres de muitos de seus pesadelos recorrentes, pois com as chuvas, o Rio Xanxerê alagava tudo, e por vezes fazendo mortes, como foi o caso do marido da Dona Silvia que morreu afogado pela chuva alguns anos antes.

Passaram-se décadas para que o dito canal recebesse estrutura e alargamento em alguns pontos da cidade, fazendo escoar toda a água das chuvas. A rocha enterrou-se por si só com o passar dos anos, mas também teve sua utilidade quando uma empresa de britagem instalou-se naquele local.

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Se quiser saber como o marido da Dona Silvia morreu, leia o conto "O Bígamo Naufragado"

http://www.recantodasletras.com.br/contos/4073405

Michele CM
Enviado por Michele CM em 04/02/2014
Reeditado em 04/02/2014
Código do texto: T4678058
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