Minha história do Grande Sertão: Veredas

“O espírito da gente é cavalo que escolhe estrada.”

O Alemão ferronato foi quem começou a ler primeiro o livro, Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa. Nesta época vivíamos em uma república na Rua Major Sertório, bem perto do Hilton Hotel, bairro boca quente, as pessoas diziam, para nós era a Broadway.Gente que trocava a noite pelo dia, mil boates, muito barulho e muita agitação, mas na idade em que estávamos, ninguém se molestava.

Bom! Voltando ao Grande Sertão, O Alemão lia o livro e nós líamos juntos, com ele, porque ele ia nos contando e ele fazia isso com muita habilidade. Ele é também um exímio contador de histórias.

Quando ele terminou, repassou o livro para um de nós que relíamos e passávamos para o amigo seguinte, e a história estava sempre indo e vindo. Conhecíamos , todas as trilhas, todas as veredas daquele sertão misterioso. Depois destes tempos tive os meus próprios exemplares do Grande Sertão e também motivei muitos outros amigos a lê-lo.

Um destes amigos foi o José Paulo Dias, advogado, doutor das leis, caboclo vindo lá de Bonifácio, interior de São Paulo.Um dos poucos viventes que com certeza leu o Capital, de Karl Marx. Nós Tínhamos altos papos motivados pelo Grande Sertão; em nossos encontros falávamos o tempo todo sobre o livro, nosso sotaque mudava. As esposas não entendiam muito bem o que estava acontecendo,vez ou outra ele me contava sobre as idéias do Marx e eu usava uma das frases, do Grande Sertão para rebater: Pão ou pães é questão de opiniães.

Por razões profissionais mudei com minha família para Quito, Ecuador. Um belo dia quando recebi um Email do Zé Paulo, dizendo-me que tinha um presente para me dar. Ele disse que visitando um dos Sebos mais tradicionais do centro de São Paulo, encontrou um exemplar da primeira edição do Grande Sertão, em bom estado. Disse que contou para o dono da livraria sobre nossas conversas e o quanto eu era apaixonado por esta obra. O homem se sensibilizou e disse: este livro não está a venda, mas pelo que você me contou sobre a paixão de seu amigo , estou certo de que este exemplar deve ser dado à ele, deu a ele o livro sem cobrar nada dizendo, Este livro estará em boas mãos. Não acreditei no que li, mas sabia que o Zé Paulo não era cabra de brincar com coisa séria não.

Alguns meses depois vim ao Brasil à trabalho e aproveitei para visitar meu amigo e pegar meu presente, um exemplar da primeira edição do Grande Sertão: Veredas, do ano de mil novecentos e cinquenta e três, ano do meu nascimento. Fiquei muito emocionado que não conseguia conter tanta alegria; Foi este um dos presentes mais generosos que recebi em toda a minha vida.

Mandei o livro para ser de novo reencadernado. Tá lá na minha estante como um paciente amigo, o trato com todo carinho, como um verdadeiro tesouro.

No verão de dois mil e oito, já há alguns anos depois de ter voltado ao Brasil, iniciei meu processo de aposentadoria, e minha assistente que sabia o quanto eu gostava do Grande Sertão, achou oportuno propor aos demais colegas, que o meu presente de despedida fosse um exemplar da edição comemorativa que tinha sido lançada a há pouco mais de um ano. Uma produção limitada,Uma capa especial,linda, é toda branca bordada; Ela vinha acompanhada de um catalogo com ilustrações das trilhas percorridas pelo herói, feitas pela Bia Lessa. Era Um Luxo.

A Suzana, minha assistente e grande amiga, foi até a livraria Cultura para comprar o livro, mas a edição já tinha se esgotado. Ela insistiu em contar para o gerente da loja minha história, o quanto eu amava este livro e etc, etc. E ele sensibilizado, verificou que os dois últimos exemplares tinham sido comprados via internet por uma só pessoa, uma mulher que vivia em Belo Horizonte, ele passou o número do telefone dela para a Suzana que entrou em contato com a dita cuja, contou toda a história, e a gentil senhora decidiu ceder a ela um exemplar o qual me foi dado de presente.

É essa amigos. Tem a história contada no livro e outras mil histórias que o livro vai contando em quanto muda de mão em mão.

Guardo os dois exemplares comigo, até que que eles escolham sua próximas veredas e vão misturando outras histórias. Como disse o próprio Riobaldo, o herói e narrador da história contada no livro;

“Um sentir é do sentente, mas o outro é o do sentidor.”