*A égua Ré.

A égua Ré

Lá pelos anos de 1959, o Jockey Clube de Teresina ainda justificava o nome que tinha, pois aos domingos pela manhã eram realizadas as corridas de cavalos. Lá se reuniam os sócios do clube, gente que as páginas bajuladoras dos jornais intitulavam de “higt society”, para assistir aos espetáculos domingueiros.

Dentre os animais, havia uma égua de nome estrangeiro, complicado, que meus ouvidos de garoto não conseguiam pronunciar nem gravar. No entanto, de singular era que a tal égua nunca vencia, chegava sempre na rabada, por isso recebera com o passar dos tempos o apelido de Ré.

A Ré era ré nos julgamentos de velocidade, não era levada a sério, ninguém se arriscava a apostar em suas patas, enfim, o apelido lhe caíra como uma luva. Todavia, a seu favor existia o fato de que, na verdade, ela ainda estava em formação. Não era propriamente uma égua madura, pronta, e sim uma potra de pouco mais de quatro anos, que competia entre animais adultos. Era bela, malhada de branco com marrom.

Pois bem, enquanto o tempo seguia seu curso, a égua ia crescendo e ganhando massa muscular. Crescida e melhor alimentada, já não ficava nos últimos lugares. Ganhava terreno e admiradores. O número de apostadores a seu favor também crescia. Não ganhara ainda corrida alguma, mas já se sabia que esse dia não estava distante.

Num domingo de janeiro, com tempo nublado e temperatura amena, visto que chovera no sábado à noite, as arquibancadas do Jokey Clube ficaram lotadas. O grande favorito era um cavalo elegante de nome Trovão. Animal ágil, patas fortes, crina curta, campeão de corridas e dono da maior torcida. A pista do Jokey era careca, tinha pouquíssima grama e a maior parte do terreno era arenoso.

Trovão largou na frente, Flecha de Prata em segundo, Corisco em terceiro e a Ré, que patinara na saída, perdera o quarto lugar para o cavalo Ventania. Essas colocações não se alteraram até a última curva que dava entrada à reta final, mas o páreo já era cabeça a cabeça. Neste ponto, parecia que todos previam uma grande virada e o povo todo passou a gritar euforicamente o nome da égua.

- É a Ré...! É a Ré...! É a Ré...!

- A Ré ganha...! A Ré ganha...! A Ré ganha...!

Gritos de incentivo passaram a gritos de anarquia absoluta, causados pela cacofonia, ao tempo em que a égua Ré ultrapassava seus adversários até cruzar a linha da chegada em primeiro e indiscutível lugar.

Nunca se vira uma virada tão espetacular naquela pista, nunca o povo tinha sido tão participativo e entusiasta. Durante a semana inteira, o povo comentava nas ruas:

-A Ré ganhou...! A Ré ganhou na cara de todos, pra todo mundo ver.

"Feliz de quem acreditou que um dia a Ré ganharia..."

São coisas da minha terra.

-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Filosofia de botequim:

É preferível engasgar-se com espinha de peixe que com as palavras.