O desaparecimento do marido da Salete

A Salete e a família estavam voltando de um final de semana nos parentes do interior. Estavam na metade do caminho quando escureceu de repente e assustadoramente. Acreditavam que não chegariam à casa a tempo de não se molharem naquela chuva que ameaçava cair a qualquer momento.

Raios estrondosos e trovões mais ainda, deixaram todos pesarosos e atentos na estrada. Ficou noite e nada mais foi visto a um palmo do nariz. O marido da Salete teve que parar os cavalos e todos eles procuraram algum lugar onde se abrigar daquele temporal medonho. O menor dos filhos ficou com frio e começou a chorar, pois que todos estavam silenciosos e muito duros em seus bancos. A Salete providenciou uma roupa para aquele que chorava e tirou uma coberta para protegerem-se, mesmo que parcamente, da água que não tardaria em cair.

O marido achou uma árvore perto da estrada e para lá se dirigiu, a Salete meteu a coberta por cima da cabeça dos filhos e começou a rezar e a benzer a tormenta, mas sem sucesso. Raios e trovões estouravam perto da carroça e nenhuma gota de chuva caiu.

Foi quando o filho mais velho viu uma luz mais adiante. E o pai tratou de levar todos em direção daquilo, pois que poderia ser uma casa, ou algum comércio. Quanto mais andavam, mais distante a luz ficava. Não esmoreceram, foram em frente, fora da estrada, mato adentro.

Andaram bastante, pois que de carroça era impossível penetrar mato tão denso e cheio de árvores. Não conseguiram saber e muito menos localizar onde estavam. Iam com a confiança no marido da Salete, que tudo sabia e de nada tinha medo. Os filhos enrolados naquele cobertor, que mais tarde serviu somente para atrasá-los na dura empreitada que tinham até chegar naquela luz.

Aconteceu que a luz começou a ficar mais próxima e conseguiram distinguir que ela estava num nível elevado do chão, de modo que não poderia ser casa nem comércio e era muito afastado da estrada. Ficaram atentos e parados, viram que não era uma luz qualquer, era uma bola de fogo.

Aquela visagem ardia em chamas e tinha o tamanho de uma bola de capotão, dessas de jogar futebol, e estava parada e parecia apontar para o chão abaixo dela.

O susto foi tão grande que não conseguiam dar nenhum passo, nem para frente e nem para trás. Baixaram-se, como a protegerem-se de algo que nunca viram em suas vidas. Estavam abraçados e logo uma comoção fez com que os filhos chorassem desesperados, esperando alguma atitude daquele pai tão corajoso.

O marido teve um vislumbre – que nunca soube dizer se foi de coragem ou de curiosidade – em sua cabeça e foi ver o que era aquilo, e a Salete, agarrada nos filhos disse que tomasse cuidado, que esperaria ele voltar e então, esconder-se-iam em algum lugar por ali. Que era para ele marcar o caminho para não perder-se deles, pois que naquele breu, não os veria debaixo do cobertor.

Ele foi. Foi com um galho de árvore arrastando em seus pés para marcar o caminho e não pensava em nada, somente naquela bola de fogo e de como acalmaria os filhos na sua volta. Fez várias vezes o sinal da cruz em todo o seu corpo e ficou olhando para aquela coisa chamejante, brilhante e que lhe cegava os olhos cansados pela escuridão. Não hesitou em falar, mas o som de sua voz apenas assustou-o ainda mais.

Havia um silêncio fora do normal ao seu redor, era como se tudo tivesse parado, podia ouvir ás árvores rangendo com o vento, porém, ali, debaixo daquela luminosidade toda não existia nada, nem capim, nem pedras, nem terra naquele chão duro e frio e ele não soube discernir se o que vivia naquele momento era um sonho ou se era realidade, mas uma realidade diferente daquela a que estava acostumado.

Viu aos seus pés uma grande arca de tesouro. Havia tanta riqueza que se ajoelhou de supetão e esfregou as mãos inconscientemente e olhou para trás e para todos os lados e percebeu que sozinho não conseguiria carregar aquilo, mas com a ajuda dos filhos e com o cobertor, conseguiria e eles teriam uma vida melhor e os filhos finalmente estudariam para ser gente grande.

Pegou um lindo colar de pérolas para mostrar à esposa e virou-se para seguir o caminho de volta naquele trajeto que tinha feito com o galho de árvore. Ia como um louco, e quando chegou perto da família, estava ofegante e a ansiedade trancava a sua garganta. Mostrou o colar para todos e gritava para voltarem, arrancou a coberta de cima dos filhos e foi quando o sol ardeu em seus olhos que ele olhou para onde estava aquela bola de fogo e não viu mais nada.

Ficou abobalhado com toda aquela situação. Os braços pendendo, as costas arqueadas numa estafa emocional, os pés ardendo de dor. Não soube explicar nada, apenas entregou o colar para a Salete e sentiu que perdera todo aquele tesouro que estava ao alcance de suas mãos. Arrependeu-se de não ter pegado mais coisas e sua raiva assustou a todos. Os filhos choravam escondidos atrás da mãe e ela pediu-lhe paciência. Aquele colar decerto faria um bem maior do que tudo aquilo que o marido tinha visto.

O homem não se convenceu, embrenhou-se mata adentro, enquanto a mulher fez o caminho inverso para pegarem a carroça e voltarem para casa.

Conta-se que até hoje, o marido da Salete está em busca do tesouro da bola de fogo e ela, após a venda do colar, pôde dar aos filhos um pouco mais de conforto, porém não pôde aplacar as saudades que sentiam do pai desaparecido.

Michele CM
Enviado por Michele CM em 07/05/2014
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