Noites Fantasmagóricas

Causos de “Bichos do Charpinel”, “Caiporas” e de outras assombrações, contados na lua-cheia, ou em noite de chuva e vento, arrepiam os cabelos e dão calafrios na espinha. Benzam-se as noites solitárias nos caminhos do silvo das serpentes e do pio agoureiro das corujas.

Volto à minha pequena cidade. Lá a vida se entremeava a histórias mais inocentes.

Para minha tranqüilidade, ela não era propícia ao aparecimento de assombrações e almas penadas, dessas que noite alta arrastam correntes e gritam como gralhas.

As histórias que nos chegavam dos grotões de Goiás, das brenhas de Mato Grosso, das cidades históricas de Minas Gerais, essas sim eram horripilantes.

A figura dessa mineira ainda me impressiona - tantas larguras e peitos fartos vestiam-se com roupas escuras, xale roxo sobre os ombros. Cabelos lisos e negros e duas tranças grossas enroladas em torno da cabeça. Seus olhos variavam de baços a faiscantes, encolhia-se e transida contava as histórias das Alterosas:

Lusco-fusco, o céu nas cores do ângelus e revoavam andorinhas. A monotonia pesava sobre o ar da tarde. Nessa hora o sitiante alcança a cerca do seu sítio, inclina-se sobre o cavalo para abrir a sua porteira e ouve uma voz lamurienta, vinda do nada, uma espécie de lamento: - Eu vou caiiiiirrrrrr!...Eu vou caiiirrrrrrr!.... O matuto corajoso olha a sua volta e nada vê. Repete-se a lamúria: - Eu vou caiiirrr!.... - Eu vou caiiiirrrr!... Dessa vez o sitiante reúne as forças e grita a plenos pulmões: - Cai desgraça!!!...Se quer cair, que caia!...

Eram oito da noite quando seu cavalo chega só à porta da casa no sítio, com as compras da feira, relincha, se deita e morre. O sitiante é encontrado morto, debaixo do enorme cupinzeiro que despencou da grande gameleira que abre os seus galhos sobre a porteira...

O leitor que não conhece esses escuros do interior e das cidades pequenas pode pensar que tais fatos não acontecem, mas tudo de fato aconteceu, e também isso que conto agora:

Depois do primeiro filme do Drácula, a cidade traumatizada enxergava dráculas em todos os lugares e ouvíamos muitas histórias de aparições, desde então. Estávamos contando casos fantasmagóricos nos bancos da praça e lá pelas tantas o tempo virou. Na noite tranqüila armaram-se nuvens de tempestade, o vento soprou forte e faltou luz na cidade. Noite alta e ninguém tinha coragem de ir para casa. Eu tinha que atravessar aquela praça grande, cheia de árvores, um breu. Um amigo morava bem mais longe, passando pela Santa Casa, onde de vez em quando morria gente. Dois outros eram vizinhos, mas teriam que andar para além da linha do trem, por ruas sem asfalto. Três moravam a duas ou três quadras.

Apareceu uma charrete preguiçosa, patas cadenciadas dentro da noite, com uma lanterna bruxuleante iluminando os próximos passos naquele deserto. Entrou e já descia calmamente pela rua que levava à Santa Casa. Para o Edson - o Fininho - era agora ou nunca e a chuva ameaçava cair. Despencou-se correndo atrás da charrete.

Coitado do charreteiro!...Eias, estalidos do chicote, ferraduras ecoando no asfalto, gritos, ventania, agora trovões e o clarão dos raios, a charrete em disparada desfolhando-se em abas de lona esvoaçantes e o apavorado charreteiro quanto mais corria do Drácula que o perseguia, mais o Edson corria sem querer perder a companhia...

Bom!..., tomamos coragem e debandamos cada qual pro seu lado...

Na carreira cheguei ao prédio e abri aquela imensa porta de ferro dos saguões antigos e o vento zunia... Tateando, elevador parado, encontrei a escada em caracol para subir os quatro andares. Felizmente o escuro era tanto que dois dráculas que passaram por mim na escada não me viram. No quarto andar, naquele corredor longo e largo e sem enxergar nada, encontrei a porta do meu apartamento. Quando abro a porta, tinha deixado um janelão aberto, o vento assobiou. Tranqüilizei-me - é o vento!... Eita! que quando fechei a porta o mundo acabou. A persiana da janela tinha se levantado com o vento e ao cortar a corrente desceu com tudo, parecia uma prateleira despencando com pratos e panelas.

Nessa hora, da porta pulei para a minha cama, gelado, cabelo arrepiado, olhos esbugalhados e tão feio como os raios me iluminaram voando pelo quarto que matei de susto o drácula que descansava numa poltrona, fazendo a digestão do sangue que chupou na redondeza...