MANOEL COCOCÓ

Manoel Cococó foi o primeiro administrador do Engenho Arariba de Cima onde morei quando era criança. Cheguei a conhecê-lo, mas por pouco tempo e ainda assim, eu era muito criança, tinha apenas seis anos de idade quando ele morreu. Quanto ao sobrenome “cococó”, eu não sei dizer o porquê nem o significado, mas segundo contam os mais velhos, ele era um homem muito violento, muito bravo e teria matado a esposa após um comentário na localidade em que ela estaria o traindo. Ela era uma mulher muito bonita e também era a professora da escola da localidade. Dizem que ele deu várias facadas na parte íntima dela a qual morreu sem sequer saber o porquê de sua morte. Após alguns anos depois ele também morreu cancerígeno, vítima do tabagismo. Contam os anciãos da localidade que ele sofreu muito e na hora da morte chamava pela esposa falecida.

Aos dez anos de idade, eu e meu irmão mais velho com 12 anos já trabalhávamos com nosso pai, pois na zona rural, os garotos começavam trabalhar logo cedo para ajudar os pais. O trabalho do meu pai era cuidar dos gados e cavalos do dono do engenho e nós, eu e meu irmão, o ajudávamos nestas tarefas. Quatro horas da madrugada saíamos de casa para pôr ração para os animais, pois as 07:00hs os trabalhadores do engenho saiam com os animais para trabalhar, no cultivo da cana de açúcar.

Na Zona rural principalmente, as pessoas acreditam muito em assombração e garantem a maioria que já viram algum tipo de assombração. Eu particularmente não acreditava e achava que nunca iria ver, mas a partir daquele dia, comecei a pensar diferente a respeito. Algumas pessoas já haviam comentado que tinham visto o Manoel Cococó depois de vários anos de sua morte. Como de costume, meu pai ficava moendo a ração dos gados em um motor forrageiro e, eu e meu irmão íamos carregando para os cochos onde os gados comiam. Um belo dia quando tudo parecia normal, de repente algo inesperado aconteceu, e meu irmão apareceu correndo gritando:

- Papai! Papai! Ele está aqui, olhe ele ali!

- Ele quem filho? Não tem ninguém ali. Falou meu pai para meu irmão.

Eu que estava um pouco distante dos dois, logo cheguei correndo devido os gritos do meu irmão e, quando me aproximo, vejo meu irmão todo assustado, trêmulo, com os olhos arregalados e com os cabelos arrepiados, eu então perguntei o que havia acontecido e meu pai sorrindo respondeu:

- Nada filho, não aconteceu nada, foi teu irmão que viu algo ali, mas eu não consigo vê, você está vendo alguma coisa?

- Não, não estou vendo coisa alguma. Respondi.

- Mas ele está lá, olhem naquela direção, ele está olhando para nós. Falou meu irmão com a voz trêmula.

- Bem, se está eu não sei. Mais eu não vejo nada. Respondi.

- Está bem, agora vamos terminar o serviço. Disse meu pai.

- Eu não vou mais ali. Disse meu irmão.

- Bem, eu também não vou. Falei.

- Então, pelo que estou vendo, sobrou para mim não foi? Tudo bem, eu vou, mas só por hoje viram? Disse meu pai irritado.

Ele então foi terminar de pôr a ração dos gados e nós ficamos de longe observando o que acontecia, mas nada aconteceu ali. Terminado o trabalho, voltamos para casa, eu e meu pai sorrindo do meu irmão, ele ainda assustado e jurando que tinha visto o senhor Manoel Cococó. Que absurdo! Dizia meu pai. O coitado não tem nem mais os ossos, até a fama está sendo esquecida.

- Mais eu vi papai. Era ele sim, até aquele chapéu que sempre usava estava com ele. Disse meu irmão.

- E estava a cavalo ou a pé? Perguntei. Porque todas as vezes que eu o vi antes de morrer, sempre estava montado em seu cavalo. Acrescentei

- A pé seu bobo. Disse meu irmão irritado.

- Está bem filhos, vamos esquecer isso para não gerar contenda. Disse meu pai.

Ao chegarmos em casa, nossa mãe e meus outros três irmãos mais novos ainda estavam dormindo. Fomos dormir um pouco mais, já que acordávamos muito cedo, quer dizer, eu fui dormir, porque meu irmão com certeza não iria conseguir devido à assombração que vira. Quando todos nos levantamos para o desjejum, o assunto não foi outro, todos sorrindo com a história do meu irmão e ele assegurando que era verdade, ao ponto de ficar com raiva devido à descrença dos demais.

Três dias se passaram e nada mais aconteceu de estranho ali na estrebaria. Porém, no dia seguinte, seria a minha vez. 04h30min da madrugada, eu estava indo com um saco de ração na cabeça para despejar no cocho, quando olho em frente para uma porteira que tinha no final da estrebaria, e vejo o infeliz do Manoel Cococó abrindo-a, dei um grito e caí com o saco de ração por cima de mim, meu pai quando ouviu meu grito, saiu correndo para verificar o que havia acontecido e tomou um grande susto quando me viu ali caído, tentou falar comigo para saber o que acontecera, mas eu não conseguia falar, só apontava para a porteira e ele não conseguia vê nada ali de estranho. Neste momento, meu irmão chegou e perguntou o que tinha acontecido comigo e quando meu pai contou, ele não titubeou e logo disse:

- Foi ele papai!

- Ele quem filho? Perguntou meu pai.

- O senhor Manoel Cococó. Foi ele que apareceu novamente. Disse meu irmão.

Após meia hora me recuperando, enfim, eu consegui falar e meu pai perguntou-me o que havia acontecido, eu então lhe expliquei:

- Foi ele papai. Eu o vi também, ele estava abrindo a porteira.

- Eu não disse! Exclamou meu irmão.

- Ele quem? Perguntou meu pai irritado.

- O senhor Manoel Cococó. Eu também o vi. Respondi.

- Já estou achando que vocês estão inventando estas coisas para não me ajudar no trabalho. Disse meu pai.

- Não papai! Não é isto, não estamos inventando, nós o vimos mesmo, era ele. Respondemos.

- Está bem, agora vamos para casa, esqueçam isso. Disse meu pai.

Fomos para casa e eu estava muito ansioso para contar para os outros que eu também tinha visto ele. No desjejum, agora meus outros irmãos já não zoaram, acreditaram no que eu e meu irmão havíamos contado e até ficaram assustados. Para nós dois, aquilo foi o máximo, pois, além de acreditarem em nós, conseguimos assustá-los. Porém, nossa mãe logo tentou acalmá-los dizendo que não existia assombração. Quando eles questionavam o porquê de termos visto, ela dizia que era fruto da nossa imaginação, que teria sido por causa do sono, já que acordávamos muito cedo.

A rotina do serviço na estrebaria agora não era mais a mesma, eu e meu irmão sempre íamos juntos levarmos a ração para os cochos dos gados, ir sozinho, nem pensar. Mas, algo nos intrigava. Por que nosso pai não via? Só nós dois que conseguia vê-lo. Será que ele queria falar alguma coisa, ou só estava terminando de cumprir sua missão, que era administrar a fazenda? Quando contávamos para nossos colegas, uns riam de nós, já outros acreditavam e ficavam assustados. Portanto, em pouco tempo a história se espalhou pela localidade e todos vinham nos perguntar a respeito, uns com intuito de zoar, outros por curiosidade mesmo. Passaram a nos chamar de: os meninos da assombração, algo que nos irritava, porém, quanto mais nos irritávamos, mais isso era motivo para nos zoarem.

Três meses se passaram e não vimos o senhor Manoel Cococó, até nós mesmo já estávamos passando a acreditar que aquilo realmente havia sido fruto de nossa imaginação. Quando em uma dessas madrugadas, mais precisamente em uma Quinta Feira, meu pai estava moendo a ração como de costume, quando escuta alguém falar com ele:

- Olá Anísio.

Ele se arrepiou todo com aquela voz, pois a achou conhecida e sabia que não tinha sido nós que o chamamos, já que não tínhamos o costume de chamá-lo pelo nome. Porém, mesmo achando aquilo estranho, ficou calado, não nos contou nada, continuou trabalhando. Quando de repente vê um vulto passando por detrás dele e o chama novamente:

- Olá Anísio.

- Quem está aí? Perguntou meu pai assustado.

- Sou eu Anísio. Respondeu o vulto e logo desapareceu.

Meu pai neste momento ficou parado, sem ânimo e tremendo de calafrio, tentando nos chamar, mas não conseguia. Quando nós percebemos o ruído do motor trabalhando sem moer a ração, corremos para ver o que tinha acontecido e vimos nosso pai lá, parado e de olhos arregalados, não tivemos dúvida, - foi ele, dissemos um para o outro. Desligamos o motor e ficamos esperando nosso pai se recuperar do susto. Quando ele se recuperou, nos disse:

- É verdade, vocês tinham razão, ele está aqui.

- O senhor o viu papai? Perguntamos.

- Sim, e ele falou comigo, chamou pelo meu nome.

Em meio aquela conversa, me deu vontade de olhar para a porteira e, quando olhei, lá estava ele em pé olhando para nós, eu tentei falar mais não consegui, então apontei para a porteira e quando meu pai e meu irmão olharam para lá, ele acenou com a mão e foi caminhando em direção ao rio que passava ao lado da estrebaria e começou a entrar no rio e desapareceu. Após 40 minutos atônitos ali, o dia começou amanhecer e constatamos que a ração dos gados estava por colocar, então, meu pai depois de muitas tentativas conseguiu ligar novamente o motor forrageiro e moeu a ração com toda pressa, pois logo os trabalhadores do Engenho chegariam para levarem os animais para o trabalho. Ao chegar em casa, meu pai contou para minha mãe o que tinha acontecido e ela sorriu muito ao ponto de deixá-lo irritado.

Agora as dúvidas haviam aumentado. Por que ele entrou no rio? Por que não dizia o que queria? Será que precisava de ajuda? Mediante a estas indagações, cheguei a uma conclusão: se ele aparecer outra vez, vou perguntar-lhe. Mas ele não apareceu, até a data de hoje não se teve mais conhecimento de que alguém o tivesse visto ali ou em outro lugar qualquer. Por que, não apareceu mais? E por que apareceu para nós? Ou será que foi fruto de nossa imaginação como dizia minha mãe? Não sei, mas acho que foi real, eu o vi por duas vezes. Seja como for, foi apenas uma assombração.

Josildo S Neves