Conto - O que é ser poeta?

(Conto do Livro Inspirações em Versos V - Futurama Editora - pag. 123)

Cansado de ter dúvidas, se ele seria o que queria, um dia o poeta encontrando-se com um dos seus leitores, sem que ele soubesse quem ele era, perguntou:

- Para você, o que é ser um poeta?

O leitor olhou para cima, olhou para o chão. Deu um suspiro mirando o rosto do poeta e respondeu:

- Dizem que ele vaga pelo mundo ....... Seria um vagabundo? Vai caçando a dor ... Seria um caçador? - Sonha com o amor ... Um sonhador?

Naquele instante o poeta se encucou:

- Seria um louco? É isso?

- Sim e também não. Escrevendo seu texto é um criador: Se está com sede, tem água ao seu dispor; Se está com fome, cria a comida no seu sabor; Se chega a tristeza, no jardim faz nascer uma flor... e se está sozinho, cria um lindo amor. Basta colocar no papel o que a cabeça quiser fazer com as suas loucuras.

O poeta se inquietou:

- Como assim? Indagou o poeta, injuriado. Ele tem esse poder da criação? Essas coisas são de Deus.

- Sim e não, mas tem um pouco mais. Teima pela paz, ou descreve a guerra com vil paciência. Sabe que a vida é como uma cana de engenho, mesmo triturada e queimada não perde o seu sabor doce da ciência.

O poeta começou a entender o inexplicável da razão inconsciente:

- Quer dizer que o poeta pode transformar água em vinho nos seus pergaminhos?

- Nos pergaminhos é que faz seus ninhos, trazendo ao eleitor uns goles de vinho. É o pincel que dá vida em sua aquarela ... pintando em palavras as linhas da quimera, mostrando ao leitor o que ver nessa tela. É um sábio que brinca e tem consciência do que são as suas letras ou patética poética.

Se até este momento o poeta estava começando a entender, ficou perturbado sem saber mais o que ele seria.

- Não consegui entender a sua fala, preciso saber o que define o poeta. Se ele é assim, um todo-poderoso, não sofre e nem sente as agruras da vida?

- Ele é quem mais sente, sofrendo ou sorrindo. Mas às vezes dá em si um nó que nem sente... fica perdido e até se descobre um inocente dormente. No sofreguidão tem um pouco de louco, que não alisa ou analisa as lavras que cospem das palavras de um vulcão, pois é muito quente para ser ungido.

Perguntou então sobre essa metáfora:

- Se tiver agido por fora, é um foragido? Se é quem sabe mais da dor, é um sabedor? Se consegue dar um abraço num corredor, ele é um abraçador? Não conheço todos, mas é certo de que em cada dez loucos, os poetas passam um pouco.

Retrucou o nosso poeta:

- Como assim de novo? Se em cada dez loucos encontram-se dez poetas, quem é o louco dos dois? Talvez se fossem somente doze, seriam os discípulos do profeta do povo?

Complementou o leitor:

- No seu texto é um criador: Se está com frio, inventa o calor de um cobertor; Se está com calor, faz com que um vento frio invada o ambiente com frescor. Parece que ser poeta é ter a chave quebrada da porta sem tranca da idade eterna, colocada na fechadura mortal do portal do tempo, preso ali dentro pelo que é da vida mais profana, ou até mesmo um Leviatã das ruínas que ficaram sobre as cores das cortinas na pele da iguana.

Importunado com tanta metáfora, o poeta detonou:

- Então é um pássaro? É um avião? É um gavião?

Finalizou o leitor:

- Não! É um voador azarão contador de histórias sem perdão, quase sem manter os pés-no-chão. É tudo isso ou nada, assim na Terra como um Pompeu.

E assim descreveu:

O poeta é um composto incompleto de vida passada,

Não quer muita coisa e se perde pela longa estrada.

Tenta completar a real insignificância humana,

Com subjetivos lúdicos que a morte engana.

Por isso, não morrem, viram passarinhos.

transformam suas asas em mil pergaminhos.

Com letras em páginas e mãos presas aos pregos,

fincados no calvário dos livros, vistos até por cegos.

("Quem quiser ser louco varrido nessa briga, jogue tudo para fora da mente e me siga. O caminho é só de volta, sem ida") - pensou o poeta.