Bola pesada... (EC)

Demerval era considerado craque nos campeonatos varzeanos de futebol dos quais participava.

Canhoto, executava dribles desconcertantes sobre aqueles que ousavam marcá-lo!

Além desse dote, era possuidor de um verdadeiro torpedo em seu pé esquerdo aliado a uma excelente visão de gol com consequente excelente média de chutes desferidos as metas adversárias. Então, é fácil concluir-se que era sempre um dos principais artilheiros nos clubes que defendia.

Saliente-se que à época que o rapaz se destacava em todos os campos pelos quais passava, não havia a qualidade das praças nas quais eram as pelejas disputadas. Em sendo assim, nas épocas em que as chuvas predominavam, formavam-se intensos lamaçais, fazendo com que os palcos das disputas ficassem mais parecidos com mangues do que verdadeiramente local para uma prática esportiva. Com o advento da administração da realização desta espécie de lazer, normalmente aos domingos, executado pelos trabalhadores semanais, foram criados estádios distritais apresentando melhores condições para que os atletas exibissem suas virtudes.

Eram comum, voltando à época das chuvas, ver-se uniformes que iniciavam a pugna impecáveis, transformarem-se ao longo da disputa em autênticas mostras de desalinho e enlameamento total. E ‘a perseguida’, principal figura, disputada ferrenhamente por 22 abnegados, alguns a tratando com carinho, categoria, excelente manejo em contraponto com alguns que a judiavam, chutando ‘de bico’, ‘de soslaio’, sem categoria e sem qualquer ‘intimidade’, também sofria com o estado lamentável do palco da disputa.

Confeccionada com couro cru, sem o tratamento estilizado com a confecção que ao longo do tempo foi sendo aprimorada, absorvia água e lama, por vezes até triplicando seu peso normal. Malfadados aqueles que não possuíam muita força nas pernas e tinham de executar longos lançamentos, cobranças de infrações, cobranças de escanteios, execução de tiros de meta... E os guarda-valas, também conhecido como ‘quíper’, guarda-metas e mais usualmente goleiro, ‘sofriam’ quando se defrontavam com atletas que possuíam ‘torpedos nos pés’, como era o caso do Demerval. Por vezes, ao final das pugnas, ao retirarem seus uniformes ‘do jogo’, apresentavam vermelhidões provenientes das boladas que recebiam para defenderem suas balizas!

Em um evento que reuniu todos os ingredientes de chuva, alguns verdadeiros craques na disputa, presente o craque Demerval defendendo as cores do Flamenguinho da Vila Andorinha, como sempre ‘barbarizando seus marcadores, presente como goleiro do time adversário, a Lusinha do Parque Sucuri, o hilariante Zé Galinha, ao final da partida, em momento de confraternização, todos ‘bajulando’ o Demerval, autor de quatro gols com mais de 20 ‘disparos’ executados à ‘meta’ defendida por Zé Galinha, o ‘castigado’ quíper saiu-se com essa, apontado para o camisa 11 Demerval:

--- Ninguém me avisou que o cara aí iria disparar contra a minha baliza uma bola que não é uma bola e sim verdadeiro tijolo, pô!

Sob risos, em clima cordial, com muitos abraços e cumprimentos, finalizou-se um amigável confronto entre ‘rivais esportivos’. Sem agressões, sem palavras de baixo calão, sem ressentimentos, sem indecifráveis torcidas uniformizadas...

Este texto faz parte do Exercício Criativo - Uma bola não é uma bola

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