O NOBRE CAÇADOR DO VALE

Como reza a tradição, gerar um filho, escrever um livro e plantar uma arvore são atitudes do homem que contribui para a preservação de sua memória. É com o registro de uma destas realizações, que a imagem do homem se eterniza e permanece viva nos anais da história.
As guarirobas que aparecem na ilustração deste conto, são relíquias que guardam lembrança, é o que restou de uma fileira dessa espécie, conhecida como coqueiro amargoso. Plantados a mais de um século. Situadas em minha propriedade rural. Eu tenho um carinho muito especial por estes exemplares, por me trazer à lembrança, o cidadão que os plantou. O saudoso e célebre Juca Rufino. Na época foram plantados à margem de um extinto cafezal, há muitas décadas passadas. Ele sulcando a terra e seu fiel agregado Manoel Pereira, ainda um adolescente, lançando as sementes nas covas e cobrindo-as de terra. Ouvi a história narrada pelo próprio sô Juca, várias vezes, por ocasião de suas agradáveis visitas, que rotineiramente tive o privilégio de receber.
Quando os vejo balançando impulsionados pelo vento me vem à memória, a imagem do sô Juca Rufino aquela célebre figura, meu vizinho, a quem eu considerava como uma lenda viva, tamanha a sua nobreza. Com ele apenas um dedo de prosa nunca me satisfazia, eu queria sempre mais e mais desfrutar do seu proseio. Ele tinha assunto para todas as idades, não tinha quem não gostasse de sua prosa.
Foi o mais hábil caçador no Vale do Picão. Seus gritos por ocasião se suas caçadas ecoavam permeando pelas matas e serrados de sua propriedade e das circunvizinhas. Tinha um cachorro por nome vapor, parecia ser seu mestre caça preferido, se é que existe essa função na cinegética. Se não existe fica registrado a partir deste conto. Ao gritar pelo nome vapor, até os pássaros nas matas mais distantes se espantavam.
Vez e outra um fazendeiro recebia um mensageiro seu, com o aviso, por ter ele, cortado uma cerca de arame abrindo passagem no encalço de uma caça, mas, era tão nobre, que ninguém nunca o recriminava por essa travessura.
Certo dia ao nascer do sol, estava eu no curral ordenhando as vacas, quando ele chegou:
-- estou precisando docê se puder!
-- Mas é claro sô Juca, do que se trata?
--Preciso que me leve a Bom Despacho; o Concesso enfiou a cara na pinga deitou no meio do capinzal a beira da estrada, o irmão dele, o Chico, que também estava mais bêbado do que um gambá, passou a cavalo por cima dele, deve ter quebrado varias costelas, aliás, fica de bom tamanho se forem apenas às costelas.
Os levei ao Hospital; de fato constatou-se varias costelas fraturadas. Retornamos com o seu empregado mais enrolado que uma múmia.
Ao adentrarmos o curral de sua fazenda, a mulher de um de seus agregados passava conduzindo uma sacola abarrotada de verduras fresquinhas, ele exclamou:
-uai Nemi que coisa bonita onde cocê comprou?
--Comprei não sô Juca, ganhei da mulher do carvoeiro, veja como são lindas!

--Escuta uma coisa, ocê num tem vergonha não mulher? Esse pessoal mudou para cá faz pouco tempo, morando neste cerrado de terra fraca, subindo quase um quilometro, carregando água na cabeça pra cultivar uma horta, enquanto ocê morando quase dentro do córrego, com esse curral cheio de esterco, vai lá buscar as verduras da mulher! Vou te dar um conselho, arranja o saco enche ele de esterco e leva La para essa mulher, tem certeza que ela não tem esterco com fartura igual você!
-- Que isso sô Juca num precisa de humilhar a gente tanto assim não!
--To te humilhando não, desde quando falar a verdade é humilhar as pessoas? Pensa nisso e invés de ficara ai andando pra baixo e pra cima vai plantar uma horta. Uma horta em casa vale por meia tulha.







 
Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 15/09/2014
Código do texto: T4962653
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