436-O PROFESSOR MANDACARU - Tipo Pitoresco de Diamantina

Homem de vasta cultura, advogado atuante na comarca e até em tribunais da capital, professor e membro da Academia Serrana de Letras, o doutor Leonildo Mandacaru Pinto é elemento de proa na sociedade de São Roque da Serra.

Nos tempos de meninice, era conhecido pelos colegas e amigos como Leozinho, às vezes chamado de Leãozinho, devido ao seu temperamento que já se revelava irascível e intolerante. Na faculdade, fazia questão de ser chamado por Leon, em lembrança ao grande escritor russo de quem era leitor constante e admirador. Ao se formar e estabelecer com a banca de direito na cidade natal, o tratamento mudou: passou a ser tratado Doutor Pinto.

Como professor do ginásio, doutor Pinto era exigente, intolerante e rigoroso ao atribuir as notas aos discípulos. Daí, os alunos menos esforçados ou aquinhoados de inteligência e merecedores dos zeros que o professor distribuía, descobriram um jeito de aborrecer o vetusto mestre.

Do sobrenome herdado da mãe, da família alagoana dos Mandacarus, não gostava. Mesmo porque quando estudante, fora por vezes tratado de Mandarucu, o que magoava profundamente. Entretanto, apesar de estar quase esquecido, eis que os alunos descobriram o desgosto do doutor Pinto pelo sobrenome Mandacaru, e a raiva que despertava quando pronunciado Mandarucu.

—Hoje tem aula com o professor Mandarucu! — Gritava Gervásio, da terceira série, no pátio do ginásio.

—O professor Mandarucu veio hoje? — Perguntava Licurgo, em alto som, provocativamente.

Embora isso o aborrecesse bastante, não havia como descobrir os autores, misturados aos colegas, que achavam graça e jamais deduraram os amigos.

O doutor Pinto era o orador oficial de todas as cerimônias e eventos da cidade. E assim, foi convidado pelo prefeito para discursar, em nome da municipalidade, por ocasião da visita do governador do estado.

O evento foi antecipado por um feriado municipal. O governador chegaria às duas horas da tarde e iria direto para o coreto da praça principal. Desde o meio-dia os alunos dos grupos escolares, do ginásio e da Escola de Comércio começaram a se reunir na praça. O povo foi chegando, chegando.

A caravana do governador constituía-se de quatro carros, que vieram empoeirados, pois as estradas de então eram, na melhor das situações, encascalhadas. O que não tirou o brilho da caravana nem o sorriso das autoridades. O governador, lépido, subiu pelas escadas do coreto e foi ovacionado pela multidão. A banda atacou o dobrado “Primeiro Centenário da Independência” e foi uma apoteose.

Abrindo a sessão de discursos, o “mestre de cerimônias” Licurgo Lago, atual secretário da prefeitura, elegante e desenvolto para tais misteres, pegou o microfone e gritou pra a multidão:

—Excelentíssimo governador, autoridades, senhoras e senhores! Pra dar boas vindas ao governador e sua comitiva, fará uso da palavra o doutor Leonildo Mandarucu Pinto!

As palmas abafaram e disfarçaram o mal-estar do prefeito e demais autoridades locais. Licurgo se deu conta da tremenda gafe cometida com o nome do orador oficial, mas não havia como consertar.

O professor adiantou-se e com gestos estudados e lentos, apanhou o microfone das mãos de Licurgo. Passeou o olhar sobre a multidão, sobre o governador e as pessoas gradas espremidas no coreto e olhando fixamente para Licurgo, iniciou peroração:

—Em primeiríssimo lugar, devo esclarecer ao apresentador que meu sobrenome é Mandacaru. Mandarucu, como pronunciado pelo senhor, é a puta que o pariu!

E a seguir, fez a mais bela peça oratória de boas-vindas já ouvida pelo governador.

ANTÔNIO GOBBO -

Belo Horizonte, 27 de maio de 2007 –

Conto # 436 da Série Milistórias

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 28/09/2014
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