441-PRA PROVOCAR A MULATA-Malandragens de um mecânico

FREQUENTAVA o ginásio a contragosto. O que Mariano gostava mesmo era ver os mecânicos da oficina do pai nos serviços de desmontar e montar motores, caixas de câmbio, carburadores e tudo o que se encontrasse sob os capôs de carros e caminhões. Zanzava de um para outro carro, perguntava mil e uma coisas aos mecânicos e muitas vezes, sem que o pai percebesse, pegava em ferramentas e ajudava um ou outro empregado.

— Mariano, sai daqui, vai estudar. — Era a ordem que o pai lhe dava, em tom de reprimenda. — Não fica perdendo tempo aqui na oficina.

— Ele vai ser doutor, vai pra universidade. — Seu José não cansava de dizer ao clientes. — Não vai ter que sujar as mãos de graxa.

Mesmo não gostando de estudar, ia levando o curso, estudando o suficiente apenas para passar de ano, não tomar bomba. Entre os colegas, gozava de grande estima, pois era habilidoso e entendido em máquinas. Além do que, sendo fisicamente bem desenvolvido, aparentava ter mais idade e sabia de coisas que os colegas nem imaginavam. Trazia, para mostrar aos os colegas, uns livrinhos de histórias de quadrinhos de sacanagem e conversava sobre assuntos proibidos com desenvoltura.

Quanto terminou o ginásio, não quis estudar mais. O pai forçou com argumentos e até com ameaças. Mas o garoto não quis saber de escola.

— Por que não posso ser mecânico como o senhor?

O pai tinha muitas respostas, mas nenhuma convenceu Mariano..

— OK. Fica trabalhando comigo. — Concordou o pai. — Mas vai trabalhar no escritório. Aprendendo administrar.

Qual o quê! Foi mesmo para a oficina, onde lambuzava mãos, braços, rosto e roupas.

ALGUNS anos fiquei sem ver Mariano, pois fui estudar em outra cidade. Mas quando topei com ele, casualmente, no Mercado Municipal, quase não o reconheci. Homem feito, alto, magro e elegante, era bem diferente do colega dos tempos de ginásio. Estava todo vestido de branco, inclusive sapatos, meias e cinto.

— Mas...você acabou estudando? É medico?

— Que nada! Continuo sendo mecânico. Esta roupa branca é para compensar as roupas sujas de graxa que uso todos os dias. É para impressionar a mulherada.

— Anda trabalhando com seu pai em Venda Velha?

— Não. Tenho uma oficina mecânica aqui na capital. .

— Então? Já casou?

— Chiii, rapaz, nem me diga uma coisa dessas. Não sou de casar, não. Sou mesmo é da boemia.

— Então, me conta aí? Tem comido todas?

— As que passam na minha frente, traço mesmo.

Saímos juntos do Mercado.

— Venha, vou lhe dar uma carona. — Me chamou, sem mesmo saber onde eu residia.

— Não precisa, moro aqui perto.

Despedimo-nos. Fiquei observando Mariano, que se dirigiu até um carro estacionado do outro lado da rua. Uma Brasília marrom, com visíveis sinais de consertos na lataria. O motor tossiu e gemeu, antes de sair aos trancos.

— Casa de ferreiro, espeto de pau... — pensei.

ALGUMAS semanas depois, topei novamente com ele. Desta vez estava numa esquina da Avenida Amazonas, com uma loira bonita, vistosa e bem maquiada. Não queria me aproximar, ser indiscreto, mas quando me viu, me chamou e me apresentou a moça.

— É Cacilda, minha namorada.

— Prazer.

— Prazer. Carlos Gomes.

Ficamos conversando os três durante algum tempo.

— Vamos tomar alguma coisa? — Mariano convidou. — Aquele bar ali na frente tem um chope dos bons.

Entramos os três. Mariano fazia por ser notado, falando alto, gesticulado. Aliás, todo vestido de branco, era fácil de aparecer. Senti isto: que ele estava querendo se mostrar. Tomamos uns copos, conversamos mais um pouco e saímos.

— Venha conosco. Vou levar Cacilda no seu apartamento e te dou uma carona.

— Ora, Mariano, moro aqui perto e...

— Faço questão.

Notei que ele queria me impressionar. Seguimos até um Megane flamante e brilhante, modelo recente. Entramos e Mariano dirigiu com destreza, primeiro para o edifício onde Cacilda dizia residir. Deixou-a na porta, nem se deu ao trabalho de acompanhá-la até a portaria.

— Cê melhorou muito de condução, hein? Da última vez era uma Brasília...

— Ara, cara, isto aqui é só para impressionar.— Uma risada marota acompanhou a explicação. — Este carro está na oficina, para conserto. O dono tem mais de uma dúzia na garagem, só vai mandar buscar este na semana que vem. Então eu aproveito.

Lembrando do pouco caso com a loira ao deixá-la poucos minutos atrás, comentei:

— Você não dá muita bola pra sua namorada, hein, Mariano.?

Ele deu uma estrondosa gargalhada..

— Que namorada, que nada, cara! Essa eu pago 100 pratas por noite só para levá-la no bar onde nós estivemos. A Cacilda nem mora naquele prédio. Sai dali para outros programas. Não quero nada com ela. É só pra provocar.

— Provocar?

— É, cara. Não sei se você percebeu a caixa do bar. Aquela mulata é que é a tal. Mas a filha-da-mãe me esnoba. Então, arrumei Cacilda pra fazer ciúme.

— Fazer ciúme...

— É. Pra provocar a mulata. Já percebi que ela já está me olhando diferente. Mais uma ou duas vezes que eu aparecer com a Cacilda lá no bar, fisgo a mulata. Tão certo como dois e dois são vinte e dois.

Antonio Gobbo

Belo Horizonte, 27 de junho de 2007

Conto # 441 da Série Milistórias. –

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 29/09/2014
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