O OLHAR

Era domingo – 20/01/2013, o relógio marcava 20 horas, chovia muito e eu buscava uma programação que me fizesse permanecer algum tempo à frente da televisão.

Nessa busca por algo mais consistente cheguei ao canal da TV Câmara, onde era reproduzido um especial gravado com o escritor e educador Rubem Alves.

Rubem Alves falava com a serenidade, lucidez e a galhardia que lhe são peculiares, sobre as várias fases, facetas e episódios de sua vida, desde os tempos de infância até os dias atuais.

Dentre a diversidade de assuntos narrados, o escritor revelou ser pai de uma filha a que ele classificou por “filha temporã”. Filha essa que nasceu portadora de fenda labial, o chamado “lábio leporino”.

Não se alongou muito sobre o assunto, apenas o necessário para transmitir a ideia de que o que mais incomoda não é o problema em si, mas o “olhar das outras pessoas”. Segundo ele, um “olhar é cruel”.

É evidente que o Rubem Alves, ao fazer referência à crueldade do olhar, não se referia a todos os olhares.

Certamente sua indignação era direcionada aos olhares indiscretos, invasivos, de repulsa, emanados de pessoas insensíveis, desalmadas.

Todos sabemos que há olhares hostis, perversos, tenebrosos. Eu mesmo tenho registrado na memória, em tempos idos de minha infância, olhar paralisante, pavoroso, capaz de provocar em mim calafrios, instantânea e total perda do controle fisiológico.

Um educador, observador e crítico sem fronteiras como Rubem Alves, que combate a limitação e o aprisionamento imposto por muitas escolas, não se limitaria a restringir o olhar apenas ao que dissera.

Sei que ele o fez única e exclusivamente sob o foco do contexto narrado.

Para esse educador o pensar não admite fronteiras, embora muitas pessoas, instituições religiosas, instituições de ensino e empresas, o induzam à contenção, ao limite. E contra isso, o que denomina “gaiolas”, Rubem Alves sempre se rebelou.

Tenho a convicção de que se acaso Rubem Alves fosse instado a escrever sobre o olhar, seria capaz de, sem muito esforço, editar um livro acerca desse assunto. Afinal, mais do que a maior parte de nós, o douto escritor certamente reconhece uma infinidade de outros olhares, bons e ruins.

Do lado ruim, com certeza descreveria o olhar de angústia e de aflição, o olhar de desolação, o olhar de medo, o olhar depressivo e muitos outros.

A mim não resta a menor dúvida de que, ao discorrer sobre o olhar, o aludido docente daria mais ênfase aos olhares amenos, ternos, doces, afetuosos e tantos mais, cuja proposta é de uma relação serena, compartilhada, comprometida com o outro, que seja capaz de agregar.

Daria Rubem Alves, a meu ver, ênfase ao olhar construtivo, que aproxima e que, ao encontrar

um casal enamorado, o fizesse amar de novo.

Rafael Arcângelo
Enviado por Rafael Arcângelo em 03/12/2014
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