571-PESCARIA DI FACÃO -

PESCARIA DI FACÃO

Istória iscrita in minereis, em omenage pro Wulcino Teixeira de Carvalho

grande iscritor de caipireis.

Nóis tava morgando uma hora da quarta-feira qui era um dia santo di guarda, dia de Santa Filomena, padruera da cidade, reunido depois da missa das nove, no boteco do Zeferino, proseando naquela cunversa-de-amolá-o-boi, quando chegou o Pedrim Mintira.

— Bão dia, gente! — ele falou, cum aquela cara de lua cheia, muito branca e redonda, e aquele risinho debochado.

— Bão dia, seu Pedrim. — Todo mundo arrespondeu.

— Uai, Pedrim, cê vortou cedo da pescaria! — falou o Carlim Pitanga, que tem uma verruga no nariz, bem vermeinha.

— Uai, gente, num é que a chuva ispantou nóis ?

— Chuveu muito pur lá? Aqui o tempo também truvou, mais foi só baruio, uma trovoada qui num acabava mais.

— Nem ti digo! Primeiro, deu uma ventania sem trégua, um vendavau que foi levantando foia, capim seco e num repente a barraca do cumpadre Baleia voou, com estaca, grampo, cordinha e tudo...Depois, foi água cumo se um rio tivesse decendo do céu.

— Intão ceis num pescaro nada?

— Bem, uai, este tempo destemperado foi no sábado. Mais na sexta de tardezinha, o Chico Maromba e Neném da dona Filomena sairo de pé, margeando o rio acima. Levaram uma saca de aniage e o facão de cortá cipoal. Vortarm com o saco cheio de peixe, ceis acredita?

— Pescaria de saco cum facão. Vige, gente! O homem já lá vem com mais uma istória ... daquelas!

— Pois é, nóis ficamo aqui em baixo, perto da ponte do Barro Seco, pescando de anzor, e peguemo só uma miudeza de lambari e papa-terra. Mais os dois...

— Levaro rede? Tarrafa?

— Nada, ce sabe que nois não usa rede, não. É proibido, sô. Mais ispera que eu conto tudo. Cumo ia dizendo, os dois levaram só uma saca dessas grande, de aniage, que é bem ralo. Intão, eles foram subindo o rio. Era dia de piracema, daqueles dia que os peixe sobe o rio, pulando inté cachoeira acima. Tinha muito peixe e os dois ficaram ali no Istreito-do-boi- atolado, ces sabe, donde tem uma cachoeirinha dum metro mais ô meno. Os peixe sartando fora dágua, pra riba da cachoeira. Ai o Chico mais o Nenem entraro no corgo e cumeçaro a pesca. O Chico com o facão, ia batendo de pranchada incima dos peixe, atonteando eles. E o Neném ali de lado, pegando os peixe que o Chico estonteava e ponhando eles na saca.

— Vixi Maria...Truco, seu! — Gritou o Mané Pipoca, que iscuitava cum atenção.

— Ceis num acredita? — Pedrim nunca perdia o fio-da-miada e continuou contando o causo. — Pois eles vortaram cum uns trinta quilo de peixe: piau, pacu, tudo peixe de quais meio metro.

— Cruzcredo! Os dois tava mesmo danado, ein, cumpade Pedrim... E cadê esses peixe?

— Bão, uma boa parte nóis assamo ali mesmo na beira do rio. Isto foi antes da ventania e da tempestade. Cumemo até se fartá.

— Cumero tudo os trinta quilo de peixe? Ô turma de isfomeado.

— Não, nois num cumemo tudo não. O que sobrou o Neném amarrou a boca do saco e amarrou o saco no pau da barraca do Baleia. Intão, veio o vendavar, tão forte, que impurrou a água do rio pra riba da marge, inundou nosso acampamento. Quando o vento dirrubou o pau da barraca, a saca desamarrou, e os peixe, quando viro a água chegando, pularo tudo da saca pra água e vortaro pro rio. Num sobrou ninhum pra prova.

— Arre égua!! Essa foi dimais!

— Oia, nem o saco sobrou, de tanta água qui iscorreu naquela tarde.

— Mais, pelo menos o facão marvado ceis sarvaro? — Perguntou o Lavico.

— É, o Nenê sarvou o facão, sim. Mais, ainda que mar lhe pergunte, purque essa curiosidade de sua parte, cumpade Lavico?

— Intão, da próxima veis qui ceis for pescá, num carece leva nem anzor, nem isca. Pesca só com o facão do Neném.

Aí, o Pedrim Mintira num gostou não. Levantou depressa e discunversou:

— Oia, gente, o papo ta bão, mas tenho de ir. Vou sê padrinho de batizado do fio do Zidoro, e ta na hora. Bão dia.

— Bão dia, Pedrim. — Arrespondi.

— Vai cum Deus, que Deus te proteja, falou o Mane Pipoca, que mintindo assim ce vai acabá direto morando com o Coisaruim.

ANTONIO GOBBO

Belo Horizonte, 21de outubro de 2009 –

Conto # 571 da Série Milistórias

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 11/12/2014
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