A BAILARINA

Um dia parei no sinal e não vi a bailarina.

O movimento da rua era normalmente intenso. Esse era o trajeto que eu percorria todos os dias ao trabalho.

Sempre eu passava e via a mesma pedinte.

Lá estava ela, desleixada, mal dormida, tresloucada, cantarolando, curvando seu corpo, imitando uma bailarina, ao estender sua mão suja implorando alguns trocados.

Seu sorriso desdentado era sincero.

Passava, com os vidros do carro quase fechados, sem dar trela a seus rogos.

- Moço, estou com fome, dizia ela numa voz límpida e angelical, e sempre completava, por favor, só uma moedinha.

Certa feita eu não resisti, e enquanto o sinal não abria, abaixei o vidro, e perguntei por perguntar, dando alguns trocados a ela.

- E a tua família?

- Tenho família não, seu moço.

Ela, ali pertinho, sorrindo permaneceu de mão estendida; pude notar suas feições bem feitas; Sua rudimentar tez morena; Seus lindos olhos verdes que se perdiam naquele rosto sujo; Seu cabelo desalinhado dava a entender que havia uma tremenda desavença com o pente.

Por debaixo daquele espectro podia-se perceber uma formosa mulher, se fosse, é claro, bem cuidada.

Seu corpo esguio emagrecido pela bebida e pelas drogas não era um bom argumento para revelar sua idade. Digamos quinze anos.

O sinal abriu, segui meu caminho.

Toda vez que por ali passava, controlava a velocidade do carro com a intenção de pará-lo exatamente no sinal, e assim poder bater um papo com aquela figura.

Queria saber mais sobre ela, talvez para poder ajudá-la!

Certa feita, entre uma indagação e outra, perguntei pelo seu nome.

- Meu nome é bailarina, respondeu-me ela de pronto, toda frajola fazendo trejeitos com seu corpo.

- Bailarina? Mas como bailarina? Perguntei sorrindo para ela.

- Sim, todos me chamam assim.

- Mas por quê? Insisti.

O sinal abriu, alguém apressado buzinou, e eu coloquei em marcha o carro.

Ansiosamente no dia seguinte eu parei no sinal e lá veio ela.

Rapidamente me contou que quando pequena sua mãe fazia limpeza numa escola de dança levando-a junto. Ficava encantada vendo as meninas dançando. O sonho dela era ser bailarina. No lugar da amarelinha, esconde-esconde, e outros jogos, ela se divertia dançando nas ruas imitando as bailarinas.

A história dela eu fui construindo aos poucos entre os vermelhos e os verdes do sinaleiro.

Não conheceu o pai, e sua mãe morreu quando era ainda pequena, e assim, sem ninguém por ela, foi morar na rua.

- E você ainda quer ser bailarina? Certa feita eu perguntei.

- É o meu sonho, seu moço! E vou conseguir!

Percebi que para ela eram importantes aqueles momentos de confidência e de desabafo, pois ao me avistar vinha correndo feliz ao lado de meu carro.

E para mim o que significavam esses momentos?

Por incrível que parece para mim se tornou uma necessidade obcecada em vê-la, aconselhá-la, dar alguns mimos. Certa vez dei de presente uma sapatilha usada dizendo:

- Um dia quero ver você dançando um balé nas pontas dos pés!

Ele pegou e toda feliz foi mostrar aos amigos mendigos que por ali se encontravam.

Enquanto ela se afastava pensei.

- Como seria linda e elegante se fosse bem cuidada!

Muitas vezes me surpreendia em mil pensamentos. Outras vezes fazia plano para retirá-la da rua e matriculá-la numa escola de dança. Meus pensamentos divagavam céleres, e assim, como num passe de mágica, eu a via rodopiando, rodopiando freneticamente num espetáculo lindo, e num final brilhante o povo delirante de pé aplaudindo.

- Esta é a minha bailarina! Concluía feliz, todo orgulhoso, a minha divagação.

Um dia parei no sinal e não vi a bailarina. – “Deve estar em qualquer lugar por aí”! Justifiquei para mim a sua ausência.

Minha preocupação aumentou quando nos próximos dias não a encontrei.

Um dia parei no sinaleiro, desci do carro e olhei esperançoso para todos os lados, e quando já estava voltando ao carro chegou um moleque magrelo, todo maltrapilho, dizendo-se amigo da bailarina, entregando uma sapatilha dizendo.

- Seu moço, antes dela morrer pediu que eu entregasse isso ao senhor.

Peguei a sapatilha enxugando as lágrimas que tristemente umedeceram meu rosto. Olhei para o céu e me confortei num pensamento:

- Lá em cima, com certeza, tem um anjo que feliz está nas pontas dos pés rodopiando ao som de uma angelical música para mim.

Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 14/12/2014
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