No Departamento dos Correios (conto de Tchékhov)

Meus caros colegas recanteiros, tive a audácia de transcrever aqui um conto de humor que achei genial, escrito por Anton Tchékhov, famoso escritor e médico russo nascido em 1860. Uma célebre frase dele é a seguinte:

"A medicina é a minha legítima esposa; a literatura é apenas minha amante."

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Título: No Departamento dos Correios

Alguns dias atrás, fomos no enterro da jovem esposa do nosso velho chefe dos correios, a jovem Aliona Sladkopértsev (seu nome é formado pelas palavras russas para doce e pimenta). Sepultada a beldade, nos dirigimos para o departamento dos correios a fim de homenagear a memória da defunta, segundo o costume de nossos pais e avós.

Quando as panquecas foram servidas, o idoso viúvo chorou amargamente e disse:

-As panquecas estão coradinhas como a minha finada esposa. Estão tão bonitas quanto ela! É o mesmo que vê-la!

É mesmo - concordaram os convidados - sua esposa era de fato uma beleza... Mulher de primeira qualidade!

-Pois é... Todos que a viam ficavam admirados... Mas, senhores, saibam que eu a amava não apenas pela beleza, e nem pelo bom caráter. Essas duas qualidades são próprias da natureza feminina e são encontradas com bastante frequência na face da terra. Eu a amava por outra qualidade de sua alma! Eu amava minha finada esposa (que Deus lhe dê o Reino dos Céus!) porque ela, apesar do seu temperamento brincalhão e de sua vivacidade, era fiel ao seu marido. Ela era fiel a mim, embora tivesse apenas vinte anos! enquanto eu estou perto de fazer sessenta! Ela era fiel a mim, um velho!

O diácono, que também participava da rememoração em nossa companhia, expressou suas dúvidas com um eloquente mugido e um acesso de tosse.

-Pelo visto, o senhor não está acreditando - disse o viúvo ao diácono.

-Não é bem isso... - desconcertou-se o diácono - é que em geral... As jovens esposas hoje em dia estão muito... como direi? Sabe como é... atiçadas, fervendo por dentro e por fora...

-Se o senhor duvida, vou lhe provar! Eu garantia a fidelidade da minha finada esposa de várias maneiras! Com várias estratégias, por assim dizer... E construí uma espécie de muralha! Graças aos meus atos e à minha esperteza, minha esposa não poderia me trair de jeito nenhum. Usei a esperteza para defender meu leito conjugal. Conheço umas palavras que valem por uma senha. Bastava dizer essas palavras e eu podia dormir sossegado com relação à fidelidade de minha finada esposa...

-E que palavras são essas?

-As mais simples! Saibam que eu espalhava pela cidade certos boatos... Os senhores, com toda a certeza, conhecem esses boatos. Eu dizia a todo mundo: "Minha mulher, Aliona Sladkopértsev, é amante do nosso chefe de polícia Ivan Aleksêitch Zalikhvátski(seu nome em russo era formado pelas palavras valentão e fanfarrão). Bastavam essas palavras para ninguém ousar cortejar Aliona, com medo da ira do chefe de polícia. Quando, por acaso, os homens a encontravam, saíam correndo, para que o Comandante Zalikhvátski não pensasse alguma coisa. Hê-hê-hê. Porque alguém que se metesse com aquele brutamontes bigodudo não teria, depois disso, nenhuma alegria. Ele mandaria espancar, castrar ou matar!

-Quer dizer, então, que sua esposa não vivia com Ivan Aleksêitch? - Perguntamos com infindável espanto.

-Não senhores, essa foi a minha esperteza... Hê-hê... E então rapazes, eu não consegui enganar vocês muito bem? Pois é isso ai!

Fez-se um silêncio de uns três minutos. Ficamos calados, ofendidos e, ao mesmo tempo, envergonhados, porque aquele velho gordo, de nariz vermelho, nos tinha feito de bobos com tanta astúcia.

-Mas, com a ajuda de Deus, o senhor há de se casar novamente - resmungou o padre.

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Boris Becker
Enviado por Boris Becker em 10/01/2015
Reeditado em 27/01/2015
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