O MENINO E A ÉGUA

Dona Zulmira era mulher simples, nascera em uma cidadezinha pequena do interior paulista. Casara muito menina, pois havia sido prometida desde sua infância em troca de um dote.

Era mãe de nove filhos, quatro mulheres e cinco homens. Todos eles desde muito pequenos trabalhavam na roça com o pai no plantio e nas colheitas, exceto Zeca, o filho caçula. Esse era danado de arteiro. Enquanto os outros trabalhavam, Zequinha brincava e como não tinha tamanho para o trabalho na roça era o único que se divertia.

Dona Zulmira se preocupava com o caçula, pois muitas vezes ele saia fora do quintal e voltava tarde, sua mãe nem imaginava por onde seu filho andava durante os longos períodos em que sumia do quintal. Zequinha tinha um segredo e uma paixão.

A paixão era por cavalos e o segredo é que ele faria qualquer coisa para estar montado em um. Todas as vezes que ele dava um chá de sumiço em sua mãe ele estava solto pelos pastos das fazendas e sítios vizinhos. Como era menino esperto, aprendeu desde pequenino a montar em cavalos.

Dona Zulmira e seu João, pai de Zequinha não tinham condições de dar ao filho o que tanto desejava, que era justamente um cavalo. O menino como era danado de esperto saia pelas fazendas afora a procura de um cavalo que pudesse pegar escondido, montar, passear e depois devolver.

Sua mãe nem fazia ideia de que o menino andava por aí pegando cavalo alheio. Um dia desconfiou de suas andanças e o seguiu até a fazenda do Chico Trindade, um homem sisudo de poucos amigos. Vivia sozinho em sua fazenda, não tinha filhos e sua mulher havia morrido. Os vizinhos diziam que sua esposa morreu de tristeza porque não pode criar um filho.

Mas o que será que Zequinha tinha ido fazer na fazenda?

Dona Zulmira ficou só expiando, quando de repente vê seu filho montado em um cavalo, saindo a galope, soltando poeira na estrada. Sua mãe nem teve tempo de fazer ele parar. Ficou brava e voltou para casa e esperou até que Zequinha voltasse.

Já estava escurecendo quando o danado do menino resolveu voltar para casa. E ao entrar sua mãe perguntou:

__ Zequinha, por onde andou a tarde toda?

__ Andei por aí mãe?

__ Posso saber o que andou fazendo?

__ Brincando por aí?

__ E brincando de que e com quem?

__ Credo mãe, só brinquei sozinho e pronto!

__ Menino danado, bem que eu vi você na fazenda do Nho Chico Trindade e ainda se atreveu a pegar o cavalo do homem! Já imaginou se ele te pega e lasca-lhe um tiro de garrucha no meio do traseiro?

__ Cruz credo mãe ta me gorando?

E assim Zequinha acabou confessando que sempre pegava um cavalo de alguma fazenda e saia galopando pelas invernadas.

Sua mãe o aconselhou que não fizesse mais isso, porém o menino nem deu ouvidos. Outro dia bem cedo, assim que foi levar o almoço para o seu pai e seus irmãos que estavam trabalhando na colheita de algodão, oi danado do menino resolveu pegar um cavalo. Foi até a fazenda do Nho Chico Trindade e viu uma égua tão linda que não resistiu. Montou na danada e passou a tarde inteira galopando pelas estradas.

Estava quase escurecendo, quando ele decidiu voltar, mas o pior de tudo ainda estava por acontecer. Zequinha não percebeu que a égua estava prenha e ao tentar voltar e devolver a égua, a pobre coitada estava muito cansada, mal conseguia caminhar. Quando Zequinha percebeu, já era tarde demais, ele teve que puxar a pobre égua até a fazenda, nem pode montar nela.

Foi um sufoco só trazê-la arrastada mas Zequinha conseguiu chegar. Vocês nem imaginam quem é que estava na porteira a espera da égua desaparecida. Pois é, o Nho Chico com sua garrucha na mão. O menino aproximou-se cabisbaixo e arrependido, pois não percebeu que a égua estava prenha.

Nho Chico despejou em Zequinha todos os palavrões que você possa imaginar, e aos berros disse:

__ Menino caipora! Seu porqueira! O que o fez com a minha égua, infeliz?

O menino nem teve tempo de se explicar e Nho Chico praguejou com fé dizendo:

__ Se minha égua morrer, ocê morre também seu caiporento!

Zequinha foi para casa se borrando de medo da praga, chegou em casa e estava até amarelado de medo.

Nho Chico por sua vez passou a noite cuidando da égua que estava em trabalho de parto, a pobre coitada, não aguentou as dores e ao dar a cria a um belo cavalo negro como ela, acabou morrendo.

Zequinha quando soube da morte da égua se pelou de medo e ficou um bom tempo longe de pegar cavalo dos outros. Naquela época o danado do garoto tinha 6 anos de idade e sempre que lembrava da égua se arrependia do que tinha feito.

Passado um bom tempo, Zequinha já estava com seus treze anos de idade estava passeando quando viu um cavalo negro como a noite, ficou encantado pelo animal que acabou se esquecendo da praga do Nho Chico Trindade; também nem reparou que o cavalo era dele.

Abriu lentamente a porteira, pegou o bicho e saiu a galopar, só que dessa vez o animal não obedecia, ele puxava a rédea para um lado e o cavalo ia para outra direção. O menino ficou apavorado, pois tentava parar o cavalo e nada do cavalo obedecer. O pior de tudo é que Zequinha até tentou pular do cavalo, mas não conseguia, parecia maldição, mas ele simplesmente ficou colado no pelo do animal.

O cavalo disparou em direção ao rio e ele não conseguia se soltar do animal. Nesse momento ele se lembrou da praga e percebeu que tinha pegado um cavalo do Nho Chico. O pior de tudo foi quando percebeu que o cavalo era o filhote da égua que ele havia matado de tanto cavalgar.

Zequinha rezou, rezou, mas de nada adiantou, o cavalo foi entrando no rio, água já estava no pescoço do animal e nada do garoto se soltar. Zequinha aos poucos foi afundando, afundando, até que não pode mais respirar.

Pobre garoto foi engolido pelas águas do rio do Fofo e nunca mais apareceu vivo, o cavalo o acompanhou até a sua derradeira morada, o fundo do rio. Sempre que se aproxima a época da cheia, aparece na beira do rio as pegadas do cavalo fantasma e o menino montado nele.

Nas noites de lua cheia os dois aparecem e uma vez por ano, na mesma época em que Zequinha desapareceu, quem estiver se banhando naquelas águas, simplesmente se afoga e desaparece. Todos os garotos que morreram afogados lá, nunca mais voltaram.