AS PEÇAS QUE O DESTINO PREGA



Maíra e Luana se conheceram quando preparavam para o vestibular. Luana era filha de um fazendeiro, homem de poder abastado, mas um tanto rude, e Maira de um administrador de obras da construção civil.
A amizade entre as duas cresceu e solidificou quando Luana deixou o quarto alugado numa pequena pensão para estudantes, única na cidade, e foi residir com a colega na casa de seus pais, que, aliás, vieram do interior, eram amigos de infância e conterrâneos dos pais de Maira.
Durante o período do cursinho preparatório para o vestibular, que seria realizado no ultimo mês do ano, a amizade entre ambas cresceu de uma forma que a duas garotas se comportavam como verdadeira irmã. Ambas foram aprovadas para o curso de medicina, mas o pai de Luana muito conservador temendo o avanço cultural que já permeava a cidade grande não permitiu que a filha seguisse sua vocação, e a conduziu de volta ao seu latifúndio naquele sertão, que na época era tão remoto.
Maira seguiu seus estudos só voltando à casa dos pais por ocasião das férias entre uma etapa e outro de suas aulas. Raras foram às vezes que soubera noticias de Luana que também raramente visitava os velhos amigos na cidade.
Ao concluir seu curso, Maira agora com o titulo de doutora, seu maior desejo, era reencontrar a amiga, mas o acesso a fazenda de seus pais era impossível, primeiro pelas más condições das estradas acrescidas do meio de transporte limitado, a carroças e a lombo do cavalo. Aquela amizade tão bela e sólida parou no tempo, mas permanecia guardada no coração de ambas.
Maíra conseguiu emprego no maior hospital da metrópole onde concluiu seus estudos, fez cursos de especialização em sua área, participou de vários congressos, foi bem sucedida, mas esqueceu de si própria. Quando se deu conta, passara três décadas, e agora era uma cinquentona, ainda zero quilometro. Nunca lembrou que um amor do sexo oposto faria bem a saúde e autoestima.
Numa noite de insônia, de volta ao passado começou a viajar no tempo, e vieram à tona as lembranças da amiga, que talvez morando naqueles cafundós pudesse ter mais felicidade do que ela, com seus títulos e condecorações de honra ao mérito pela dedicação e o seu profissionalismo, com os quais tão bem desempenhara sua profissão, ininterruptamente sem tirar umas únicas férias na vida.
Amanheceu decidida, jamais poderia resolver os problemas de saúde de uma população crescente, que a cada dia aparecia com uma nova doença tirando seu sono e obrigando a passar a noite eternizada em seus estudos para errar menos, e não ser condenada pela incompreensão humana. Do que valia aquela conta bancaria tão gorda se o tempo a impedia de usufruí-la, tinha apenas seus pais já aposentados que nunca recorriam a ela, embora se acontecesse, seriam prontamente atendidos com todo prazer, mas viviam com tão pouco, que não consumiam nem seu próprio vencimento.
Embora sobre grandes protestos de sua diretoria, os convenceu que assinassem seu pedido de demissão. Voltando a sua terra natal, nem imaginava que rumo profissional tomaria dinheiro não era problema, talvez atendesse gratuitamente, beneficiando aquela gente tão carente e empobrecida, seus conterrâneos. Mas antes de tudo pretendia viajar ao encontro de Luana em sua distante fazenda, atualmente as condições da estrada de acesso as mais longínquas habitações, já permitiam o trafego de veículos, embora com certa dificuldade, devido ao grande numero de comitivas que tangiam suas boiadas pisoteando as estradas sertão adentro. Seu carro era novo, mas isso não importava compraria quantos outros precisassem para ir ao encontro da amiga.
Procurou se informar a respeito do trajeto, em uma loja agropecuária que assistia aquela região, sendo alertada por um vendedor da loja sobre as dificuldades no trajeto, no caso da ocorrência de possíveis tempestades que naquela época do ano desabavam sobre a região.
Apesar do apelo dos pais para não viajar sem uma companhia, se julgando apta no volante Maira partiu sozinha numa manhã ensolarada. A paisagem convidativa e som do carro ligado em musicas clássicas fizeram-na esquecer o cansaço de tantos anos mergulhados no trabalho lutando contra a morte, em sua arte de salvar vidas.
Nos primeiros cem quilômetros de estrada nada de anormal ocorreria por ser a principal via já preparada para ser asfaltada, mas que seria trocada por outra menos favorável que a cruzava onde funcionava um posto de combustível, ponto comercial com hospedagem e restaurante, único que atendia aquela imensa região. Ao abastecer seu carro procurou informar a respeito do seu novo trajeto, foi aconselhada pelo bombeiro a pernoitar. E seguir viajem pela manhã do dia seguinte. Uma vez que os oitenta quilômetros da viajem que lhe faltavam, demandavam da sorte para serem vencidos antes do anoitecer.
Ela o agradeceu e dirigiu ao restaurante, ocupou-se de uma mesa e pediu sua refeição, mas passava de duas horas e aquela altura a comida já não era mais tão convidativa, como lhe explicou o gentil comerciante um homem de cabelos grisalho muito simpático e bem falante. Diante de tamanha gentileza ela tomou a liberdade e pediu a ele permissão para ir a cozinha averiguar o que poderia lhe servir.
-- Esteja à vontade a casa é sua!
-- E qual ao foi sua surpresa ao deparar com a cozinheira, que ao vê-la correu até ela e abraçou fortemente exclamando:
-- Luana minha amiga querida que surpresa mais agradável!
Assustada a jovem senhora sem nada entender respondeu:
-- O que isso minha senhora, meu nome é Maira, Luana era minha mãe, dizem que sou muito parecida com ela, mas infelizmente não a conheci, ela faleceu um ano após me dar a luz. Meu nome é em homenagem a uma sua amiga cujo nome é Maira também, que partiu e foi estudar medicina na cidade grande. A distancia entre elas nunca permitiu que se encontrassem novamente. Meu pai vendeu sua parte na fazenda de meu avô para meu tio, irmão de minha mãe, montou esse negócio. Casei-me e viemos eu e meu marido trabalhar com ele aqui.
-- Me desculpe Maíra minha emoção ao vê-la foi tamanha que não me contive e acabei cometendo uma grande gafe minha filha, a imagem de tua mãe permaneceu durante esses anos todos guardada no meu coração e na minha memória, você é igualzinha a ela. Eu sou Maira amiga de sua mãe ou melhor, sou irmã de alma dela. Ao te ver não me toquei que ela poderia ter envelhecido como eu-, quer dizer que esse senhor simpático que me atendeu com tanta gentileza é teu pai?
-- Sim é meu pai, que continua fiel a memória de minha mãe e já recusou inúmeros casamentos, mas agora com vai ser? A senhora é casada?
-- Não Maíra minha profissão não me deu tempo de pensar nisso!
-- Vamos até ele, vou apresentá-la quero só ver se ele vai resistir  aos teus encatos, depois de ouvir  sua história... Sei não!. Essa armadilha que o destino nos pregou só pode ser proposital-, e tudo poderá mudar!  A senhora topa substituir minha mãe, já que são irmãs de almas?


Obs:o  texto é ilustrado com a foto da facculdade de Coimbra foto esta de minha própria autoria  por acasião de minha visita  a Portugal realizada em março de 2015.
Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 21/05/2015
Reeditado em 22/05/2015
Código do texto: T5249313
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