A cobra de um olho só


Sempre que nos reunimos para tomar uma cerveja, comer uma pizza ou simplesmente jogar alguma conversa fora, Valentim não estando a farra fica sem alegria. Valentim sempre tem uma piada nova, um causo diferente. Outro dia, estávamos no nosso restaurante costumeiro. Ali, onde o companheiro Bittencourt costuma dizer “eu vim aqui para ver Tereza”. Aliás, nessa noite fomos todos para ver Tereza. E piada vai, piada vem, Valentim nos conta a história de uma de suas viagens ao interior e desta feita para a cidade de Primavera. Com a palavra Valentim:

- antes da reforma da Cachoeira do Urubu, fui com um deputado do partido participar de um comício em Primavera. Lá estando, um amigo me chamou para ver o local. Já havia um projeto para tornar a cachoeira um ponto turístico. Daí achei interessante conhecer. Entramos no carro e nos dirigimos pra lá. Ele foi dirigindo meu carro – fomos naquele Pálio branco de minha esposa. A estrada ainda não tava asfaltada, mas se transitava bem, pelos menos até a cachoeira. No percurso ele foi me contando algumas particularidades daquela região:

- No passado o Rio Ipojuca era o maior produtor de camarão Pitu de todo Estado de Pernambuco. Eram camarões enormes que mataram a fome de muitos pescadores que por aqui viviam. Hoje não se vê mais um camarão ou outro qualquer peixe grande pescados nessas águas.

- Mas deve haver um motivo, comentei.

- Eu acho que o principal motivo foi o assoreamento do rio. Também temos a questão da pesca predatória que aos poucos foi dizimando as espécies. O empobrecimento da população também colaborou, pois cada vez mais pessoas procuravam o rio para da pesca sobreviver. Eu pessoalmente não acredito, mas muita gente aqui atribui o desaparecimento dos peixes ao aparecimento de uma cobra que costuma aparecer ali na cachoeira. Acredita-se que ela tenha pescado e comido os peixes e os camarões que habitavam esse trecho do rio que corta Primavera e parte de Escada. É uma serpente enorme. Para que o companheiro tenha uma idéia, o olho dessa cobra é do tamanho de um prato. Apenas um olho no meio da testa, mas um prato de sopa perde no tamanho. Eu nunca a vi; salvo a luz forte que emana dos seus olhos de dentro para fora da água. Isso eu já vi. O pessoal mais velho comenta que um pescador, chamado seu Biu do Camarão, chegou a ver a serpente fora d´água, mas morreu de medo e não pode contar para ninguém como é a enorme cobra.

- Por precaução não chegamos muito próximo da queda da cachoeira no poço que se forma em sua base. Grande e profundo, o poço confunde-se com um açude. A noite já cobria o firmamento com seu manto tenebroso, e as nuvens negras no céu deslocavam-se como urubus em busca de carniça, foi quando ouvimos um ruído, coisa como um grande suspiro. Foi nesse momento que surgiu de dentro das águas um enorme clarão. A luz era tão forte e tão intensa que se confundia com a lua. Clareou toda planície do engenho Pilões e as montanhas do engenho São Caetano que ficam próximas. Fiquei pasmo. Tentei correr, mas fui seguro pelo companheiro Tonho que me acompanhava.

- Não temos notícias de esse bicho ter comido gente.

- Já que não estávamos muito próximos, mesmo com os olhos ofuscados, dava para demorar um pouco e observar o que aconteceria depois. Não demorou muito e a serpente levantou uma enorme cauda – aos meus olhos era uma baleia – e deu uma rabanada na água, formando uma gigantesca onda e um barulho que, com certeza, foi ouvido há quilômetros. Aí corremos. Não havia mais condições de continuar observando o fenômeno. Se insistíssemos, seríamos carregados pela correnteza formada no leito do rio após a rabanada. Como também se a cobra desse outro golpe mudando a posição da calda seríamos fatalmente atingidos.

Pegamos o carro que estava distante e voltamos para Primavera e confesso que aquele fato até hoje me martela o juízo.

Muito boa, Valentim!
limavitoria
Enviado por limavitoria em 13/06/2007
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