Vivos são NEGROS. Mortos são CLAROS

- Seu celular é Claro ou Vivo meu amigo?

- Alô, com quem você quer falar? Isso mesmo. Exatamente. Ele.

- Parece que você acordou agora. A sua voz sempre foi grossa, mas dessa vez está mais grossa. Poderia usá-la para fazer parte dos três tenores, Antenor. Mais dois, e o trio estará completo.

- Impressão sua. Está normal. Como sempre foi: voz de macho.

- Tenho dúvidas. Está havendo algum engano, as impressões ainda não foram tiradas. O defunto ainda não chegou, aqui, no IML.

- O quê? Morreu alguém na sua família e não me avisaram?

- Não que eu saiba. Quando saí de casa deixei todos dormindo. Que papo mais infeliz é esse, Eufrázio?

- Ué, foi o que acabei de ouvir. Você tem certeza que você, é você mesmo, Antenor?

- São e salvo. Como você Eufrázio, macho de voz grossa! Cheia de contralto, pronta para o ensaio de daqui a pouco.

- Por que da pergunta?

- Por que ele acabou de sair.

- Saiu? Puxa, precisava tanto falar com ele!

- Credo em cruz. Com o defunto? Então ele morreu mesmo? Que Deus o tenha em bom lugar!

- O Turco radicado no Brasil, fazia tempo que estava internado?

- Se morreu não tenho que pagar nada. Para que defunto precisa de dinheiro?

- Se é para receber, ele acabou de chegar.

- Chegar de onde, não era você que estava no velório do Turco?

- Que bom, morreu de barriga cheia.

- Do que você está falando, Ditão? Disse que o nosso atendimento é somente no horário comercial.

- Pois é, isso seria muito bom se tivesse dinheiro para bater um comercial!

- Então coma um PF – prato feito é mais barato. O bar fica ao lado do campo do Botafogo.

- Eu farejo trabalho. É ele mesmo que acabou de chegar. Vem lentamente. Está bem debilitado.

- Quem estava fora, que acabou de chegar? O bota fogo em tudo, ou o mal pagador do Turco?

- O defunto. Acabou de chegar ao IML. Agora dá para tirar as impressões, depois faremos o bota-fora dele, de verdade.

- Com quê você está impressionado, Nicanor; opss, Antenor? Não se sinta surpreso, a primeira impressão é a que fica. Ainda sente o cheiro do perfume dela, né? Ela volta.

- Alô, alô, temos que fechar o negócio antes do almoço; daqui a pouco fecharemos. Estamos enlutados. Mas primeiramente temos que receber para poder pagar às custas do enterro.

- Nunca vi fechar o IML para almoço. Qual é a mistura do dia, Eufrázio?

- Desisto, até para receber do devedor mostram má vontade. Alô, desligando, câmbio!

- Não, o cortejo ainda não saiu do velório, em direção ao cemitério. Espere mais um pouco. Também vou.

- Tem certeza que é você mesmo Antenor! Se você morrer, quem vai pagar a dívida?

- Tá ficando louco? Que papo mais imbecil, Eufrázio! Está me irritando.

- Câmbio, desligo.

- Espere pelo defunto, ele vai com você.

- Ele vai com você ou você vai com ele, Antenor? Vão pedir um comercial para dois? Agente se vê lá no bar, perto do campo da Ferroviária. Pede mistura para três, eu como pouco. Você sabe disso.

- Isto é bom, estou sem dinheiro para pagar as custas do enterro.

- Do enterro ou do comercial? Pela última vez, câmbio, desligo.

- Alô, alô! E agora, onde o resto do pessoal que está acompanhando o cortejo vai almoçar? Outra dúvida: quem vai ficar com o telefone celular; ele não tirava os olhos da tela objeto de estimação?! Deve guardar muitos segredos. Em vida foi um canastrão.

- Nem acabei de fechar os olhos e espichar as canelas e já estão preocupados em saber para quem vai ficar o telefone celular. Mal sabe eles que das 20 parcelas financiadas, só paguei uma. Alô, alô! Acabaram-se os créditos. Alô, câmbio, desligo! Assim que chegar os três Antenores, comecem imediatamente o canto da marcha fúnebre e ao término, lacre o caixão. Amigos, nem precisam mandar um “me liga”; estou saindo do ar. Não suporto mais as cobranças desta vida. Só falta chegar agora o carnê da funerária. Definitivamente, câmbio, desligo! Celular caloteiro e defunto sem crédito carpideira nenhuma merece! Estou fora do ar. Ah, espere, tenha paciência comigo e respondendo a pergunta: o negro (trevas) é o escuro dos Vivos e o Claro (luz) do Morto. Câmbio, desligo!

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 15/07/2015
Reeditado em 15/07/2015
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