= A anágua da Ana =

Uma piroga é o único meio de transporte. E o rio é a estrada.

De onde moram até a vila mais próxima são muitas e muitas

remadas e umas boas horas de viagem.

Apesar da piroga ser pequena dessa vez vai a família toda.

Painho, mainha e as duas filhas, ambas solteironas,

pois tem festa, show e bailinho na vila.

Tudo animado por uma tal de Gaby Amarantos Cover.

De todos na piroga, Ana, a filha mais velha é a mais animada.

Pensa e torce ela: Quem sabe dessa vez a simpatia que fiz dá

certo e eu desencalho.

Lá pelas tantas, no meio da viagem e do rio, ninguém sabe

por que cargas d’água, Ana fica em pé na piroga.

Num balanço um pouco maior da piroga Ana cai na água.

E num tronco submerso, fica enroscada pela anágua.

Bate o desespero em todos. A região é infestada por jacarés.

Alguns, que quaravam ao sol numa prainha ribeirinha,

atraídos pelo barulho e gritos mergulham no rio e se

aproximam... Ameaçadores, famintos. Bocarras abertas, dentões!

O pai grita para que tomem cuidado pra piroga não

virar e todos acabarem na água.

- Daí sim que a festa dos jacarés vai ser completa! - diz ele.

Ana, apesar de sua anágua ser nova, comprada

especialmente para o dia da festa e do baile, vê que sua

única alternativa é livrar-se dela, já que não consegue

desenroscá-la do galho.

E os jacarés cada vez mais perto. Agora já são uns quinze.

A mãe e a irmã de Ana choram e rezam abraçadas na piroga.

O pai lamenta não ter trazido a espingarda.

E tenta com todas as suas forças içar Ana, bem gordinha

de volta pra piroga. Mas ela escorrega feito sabão das suas mãos.

A mãe e a irmã fazem o contrapeso na outra ponta da piroga.

Ana vê os jacarés se aproximando. Está apavorada.

- To morta! - grita. É o meu fim! Ai Jesus, tem dó de mim!

E chora copiosamente agarrada à piroga.

De repente algo inusitado acontece. Um milagre? Que nada!

Os jacarés que chegavam com tudo com a premissa do

banquete estacam decepcionados e recuam.

Voltam pra margem do rio onde antes tomavam sol.

O jacaré maior e pelo jeito líder do grupo comenta:

- Ah não! Vocês viram a calçola dela? Mulher com

calçola e ainda por cima com estampas de oncinha,

eu morro de fome, mas não como de jeito nenhum.

- Nem eu! Ô loco meu! - disse outro.

Um a um todos os jacarés concordam: mulher com

calçola e com estampas de oncinha não dá pra encarar.

Moral da História: Sinto-me aliviado. Redimido.

Perdoado por várias eternidades.

Se nem os jacarés da Amazônia encaram mulher

de calçolas com estampas de oncinha...

Por que eu teria que encarar? Que mal tão grande

fiz pra humanidade pra pagar um castigo assim?

Breguice e cafonice tem limites.

Afffffffffffff!!!

*Piroga: Embarcação primitiva, rústica, escavada,

entalhada em um tronco de árvore.

Também conhecida por canoa.

rs

= Roberto Coradini {bp} =

05//10//2015

BETO bp
Enviado por BETO bp em 05/10/2015
Reeditado em 05/10/2015
Código do texto: T5405553
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