A VOVÓ E OS VERSOS

A VOVÓ E OS VERSOS

Igor acordou bem cedo. Ainda dava para observar o restinho da escuridão da madrugada. O sol estava num sono profundo e nem pensava em despertar. Ele correu e bateu à porta do quarto de Marilda, sua mãe, e chamou-a por insistidas vezes:

- Vamos mamãe! Está na hora! A praça da Liberdade é longe.

- Calma filho. Vou me trocar e vamos partir.

Igor, sentado no sofá da sala, estava inquieto à espera da mãe. Queria que chegasse logo o momento para encontrar de novo aquela senhora. A atitude e o prazer predileto que ela adotou chamou a sua atenção. Conversou com ela algumas vezes. Se encantou e queria retribuir e valorizar o seu gosto saudável.

Depois de duas horas, Igor e sua mãe Marilda chegaram a praça. Ele procurou-a e avistou a senhora. Ela caminhava devagar em direção ao banquinho onde tinha o costume de sentar e praticar seu prazer preferido. Ele, sorridente, foi ao seu encontro e entregou-lhe o presente. O que ele considerava uma carta mágica.

E enquanto alguns transeuntes se divertiam e outros se exercitavam, o gesto carinhoso de reconhecimento nascia entre palmeiras imperiais e as flores bem cuidadas:

- Obrigado! É um privilegio! Digo, um ato de solidariedade!

Após as palavras de Sra. Ana, ela abraçou-o. Agradeceu-o novamente. Ele não esperava tamanha satisfação.

Apesar de terem conversado algumas vezes, Sra. Ana não sabia o nome do garoto. Perguntou-o, emocionada. Ele respondeu:

- É Igor. Fui eu que escrevi esta carta. Com amor e carinho. Espero que goste.

O garoto cumprimentou-a e contente, começou a correr em direção a mãe com um largo sorriso, sendo observado pela Sra. Ana que ouvia atenta seus comentários:

- Ela gostou mamãe! Ela gostou! Gostou muito!

Logo o garoto sumiu no meio da multidão.

Sra. Ana não parava de olhar o presente que recebeu de Igor.

Alguns transeuntes estranharam seu comportamento. Parada no meio da praça e na mesma posição, por vários minutos. E não tirava os olhos do papel.

Uma jovem que passou por ela cinco vezes, enquanto se exercitava, não se conteve. Curiosa, parou ao lado da Sra. Ana para descobrir o motivo dela permanecer ali, estática a tanto tempo. Com a respiração ofegante, perguntou-a:

- Desculpe a intromissão, mas por que a senhora está parada aí olhando esta carta? Já faz alguns minutos! Quem é aquele menino? Ele fez alguma revelação?

A senhora dos cabelos brancos, fitou a bela jovem a sua frente. Respondeu-a:

- Querida, ele entregou-me uma poesia. Ele mesmo fez! Tão pequeno. Deve ter apenas uns oito anos e já mergulha fundo no universo das palavras.

A jovem apertou os olhos e levantou as sobrancelhas. Balançou a cabeça com sinal de negativo. Pensou em voltar a correr. Chegou a inclinar os joelhos e dar os primeiros passos, antes de acelerar e retornar aos exercícios. Mas parou e refletiu. Percebeu que a senhora continuava com o olhar fixo para o papel. Indagou-a novamente:

- Desculpe, mas não entendo! Gosto de poesia, mas não fico assim, horas, relendo os mesmos versos.

Sra. Ana tornou a erguer a cabeça e sorriu. Confidenciou uma parte de sua vida:

- Bem minha jovem, Não tenho mais a presença fixa dos meus 03 filhos. Eles cresceram e seguiram seus caminhos. É natural. Dois casaram e um foi morar fora do Brasil. Em minha casa, sou eu e a Alícia, minha fiel colaboradora. Ela ajuda-me em tudo. Está há muitos anos na minha companhia. Daqui a pouco ela vem me buscar.

A jovem, com a respiração recuperada, convidou a senhora para sentar num dos bancos de madeira da praça da Liberdade. Ela aceitou e caminharam lentamente. Acomodadas, a senhora sorriu e continuou seu relato:

- Quase todos os dias venho aqui na praça. E sempre trago um livro de poesia. Fico aqui durante horas. Por mais que goste, considerava um ato insignificante. Mas...

Sra. Ana calou-se. Abaixou a cabeça, balançou a carta entregue por Igor e deixou as lágrimas molharem o seu rosto fino e enrugado. A jovem consolou-a. Deu-lhe um abraço e pediu calma. Carinhosamente passou as mãos em sua face. Aliviada, ela continuou:

- Igor, aquele precioso menino, entregou-me este valioso pedaço de papel. Disse, em outras vezes, que achava o máximo a prática de leitura na praça. Não dei importância. Mas ao ler esta poesia que ele fez, mudei meus conceitos.

A jovem, apresentou-se como Margot. Pediu para ler a carta. Sra. Ana concordou. Entregou-lhe e pediu para não deixar amassar. Sugeriu que lesse em voz alta. Queria ter certeza que entendeu bem a mensagem. Margot, pegou o papel e começou a ler:

A vovó, os versos e a praça

Dona de ilustres cabelos brancos

Coloridos com carinho pelo tempo

Sentada e cheia de graça

No pequenino banco da praça

Quero assim ser

Quando envelhecer

Ter nas mãos um belo livro

E ao trazê-lo junto de mim

Ler todinho até o fim

Amando cada palavra

Sentadinho e caladinho

Num charmoso cantinho

Acompanhado ou sozinho

No banquinho da praça

A jovem sorriu e ao mesmo tempo, deixou escapar algumas lágrimas. Abraçou a Sra. Ana. Ficaram caladas por um tempo. O silêncio foi quebrado com a chegada de Alícia, cuidadora da Sra. Ana. Ficou sem entender a cena emocionante. Respeitou o momento e educadamente cumprimentou Margot.

Ao tomar conhecimento dos fatos, Alícia alegrou-se. A cuidadora avisou a Sra. Ana que estava na hora de voltarem ao reduto de descanso. O almoço já estava pronto. Aproveitou e convidou Margot para participar da refeição. A jovem respondeu que gostaria, mas já tinha compromisso.

Sra. Ana levantou-se num pique e avisou:

- Então até logo Margot. Foi um prazer. Vamos Alícia! Estou com fome. Tive uma manhã especial. Tenho de fortalecer para voltar a praça mais tarde. E amanhã vou comprar outros livros. Renovar minha biblioteca e doar parte do meu acervo.

Margot despediu-se com um abraço afetuoso na Sra. Ana. Depois em Alícia. Ambas sorriram. Antes de seguirem caminhos distintos, Margot disse empolgada:

- Viva a literatura nossa de cada dia!

- Viva!

- Viva!

Cláudio Francisco
Enviado por Cláudio Francisco em 10/11/2015
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