Onça...

A família era italiana, e eram muitos, não sei precisar quantos, mesmo porque eram filhos, irmãos, primos, todos fisionomicamente muito semelhantes e unidos.

Peles claras, bem alva mesmo, com bochechas rosadas, cabelos finos lisos e claros, na sua maioria de olhos azuis quase translúcidos.

Eram os Vigotti, de origem na distante Chiusi, uma pequena cidade nos confins da Toscana, centro da Itália.

O Nonno Giovanni veio para o Brasil no inicio do século, e quase cem anos depois, seus descendentes cultuavam os costumes da terrinha do avô, mesmo que nenhum deles a conhecesse de fato.

Somente com os relatos cheios de saudade do velho Nonno, já faziam de Chiusi sua segunda terra, e por que não dizer a melhor.

Cada um dos filhos do velho Nonno, tomou seu rumo, porém nenhum deles estudou, além do ginásio.

Suas vocações, eram a “roça”, mais a pecuária que a agricultura.

Eram tantos e tão unidos que montaram até um time de futebol, que disputava o campeonato da pequena cidade.

Poderiam ter colocado um nome de time italiano, mas o amor e a paixão pelo Santos de Pelé, falou mais alto e batizaram o time de Santos Futebol Clube, conhecido como, o “Santos dos Vigotti”

Não raro, nas partidas que disputava, o time arrastava toda a família e junto com eles, os amigos, conhecidos, empregados, agregados e outros briguentos.

Se o Santos ganhava, era gozação com os adversários, se perdia, era melhor deixar o campo antes do término do jogo, evitando a pancadaria, estivesse a favor ou contra.

De todos os filhos do Nonno, Zé era o que estava, assim por dizer, melhor de vida.

Tocava uma fazenda de gado, de mais de cem alqueires, e suas terras começavam à beira do rio que margeava a cidade, e seus limites estavam a léguas , já no alto da grande serra.

Sua preferência era a cria, recria e engorda, ou seja, tinha as vacas e criava seus bezerros até o ponto de transformá-los em bife.

As carnes produzidas pela família, normalmente eram vendidas pelos açougues dos próprios familiares, o que dava um lucro extra.

Tudo caminhava as mil maravilhas, exceto o hábito do Zé , o primogênito, de exagerar nos causos.

Essa mania, rendeu aos Vigotti o rótulo de "família de mentirosos", embora fosse somente o Zé , o exagerado.

Nas rodas de papo da região, tudo que acontecia de excepcional, era atribuído ao Zé Vigotti.

Sua fama começou a transcender os limites da pequena cidade e ganhar o mundo.

Fosse uma honraria à fama adquirida, tudo bem, o negocio é que os irmãos estavam começando a reclamar da difamação familiar e da “pecha” de mentirosos , todos eles. Tudo graças aos causos do Zé.

Impassível, cada dia inventava ou adoçava um ocorrido.

Foi que nessa toada, um belo dia seu irmão Dito, que era dos mais fortes e impacientes, alertou o irmão mais velho, que não mais iria admitir suas estórias exageradas, e que preciso fosse recorreria a ignorância para brecar o que estava sem controle.

O clima familiar estava como gasolina no incêndio.

O Zé não estava nem ai, na sua rotina diária, ia para a fazenda pela manhã, permanecia por lá todo o dia, e no entardecer voltava a cidade, passando no bar do mano Luiz para a Brahma gelada , aquela que apaga todas as mágoas e poeiras do dia.

Em um desses dias, o Zé chegou ao bar no horário normal, pediu sua cerveja e sentou-se junto a um grupo de taxistas que ali faziam ponto.

Quanto tomava seu primeiro gole, foi questionado pelos amigos presentes sobre como havia sido seu dia, pois aparentava um cansaço demasiado.

-Bem, hoje não foi fácil...assim que cheguei na roça fui informado pelo meu “retireiro” do sumiço duns bezerros.

-Peguei meu cavalo baio, e começei a “campear os tar”, andei inté o armoço e nada.

Nesse ponto alguém do grupo, assuntou, que poderia ser uma onça, já que no alto da fazenda tinha muita mata fechada.

- Pois é , eu também fiquei disconfiado e fui lá pra cima, nos pastos do arto.

-Andemo inté cançá o baio, ai eu quis toma uma água e amarrei o baio numa arvore.

-Quando estava baixado tomano a água, escuitei um miado atrais, vortei a cabeça e era ela, a tar pintada,das grandes.

Nesse ponto da conversa, já com uma platéia “todo ouvidos” e aglomerada em volta da mesa, entra no bar, o Dito, irmão do Zé; depois de um dia complicado, onde esteve as voltas com um fiscal do estado, querendo guias de animais que não existiam.

Naturalmente bravo, naquele dia estava a beira de um ataque de nervos.

Chega ali e vê toda aquela gente em volta do irmão mentiroso, ouvindo mais um caso, não se conteve e ficou na espreita, também ouvindo.

Nisso o causo já havia se desenrolado e o Zé já estava à beira de um precipício acuado pela tal onça de 200 quilos.

-E ai Zé o que você fez??? Perguntavam curiosos os ouvintes...

-Rapaz, aparpei o corpo procurando uma arma, mas a espingarda ficou na cela do cavalo que saiu em disparada, inda bem que,...encontrei naquele “borsinho” pequeno próximo a cinta, um “trim”...isso mesmo,um trim, aquele cortador de unha pequeno, pequei ele com fé, afinar foi presente da minha madrinha, e bento pelo padre Vitor de Aparecida do Norte.

-Abri o “trim”, tem uma lâmina, que acho que é de lixar unha,abri ela e encarei a bicha....

Nesse ponto Dito que estava às suas costas sem que ele se desse conta, tocou seu ombro e mostrou uma garrafa presa pelo gargalo, alertando...

-Zé, eu já disse e repeti, não tolero mais mentira sua, se você matar essa onça com o “trim”, eu te quebro a garrafa na cabeça....

Nosso amigo, Zé incrédulo, olhou o irmão com um olhar de quase súplica, não acreditando que agora estava realmente em situação tão incomoda....

-Cê tem coragem, Dito?

-Tenho, é só matar essa onça e ocê vai vê.

Aquela gente toda em volta, ávida pelo final da historia cobrava o desfecho...

-E ai Zé, você matou ou não a onça...que aconteceu????Perguntavam...

Então o Zé com a maior calma do mundo, levantou-se da cadeira, tomou uma golada da cerveja e terminou o causo....

- Tá bão,a onça me comeu!!!

Lune Verg
Enviado por Lune Verg em 02/07/2007
Código do texto: T549642