A Galinha de Tute

Havia, naqueles tempos quando as comadres proviam com bondade as despensas das outras, uma, que me contou um caso da prima do seu esposo. Tute, era a alcunha desta sua prima emprestada. Esbelta, como uma vara de tirar caju, mártir, como jamais alguém já havia sido; de retórica estonteante no pedir, como jamais fora visto. Esta, é a esposa do Sezário, homem de poucas palavras e de muitos cuspidos, que acocorado, se entregou na vida, porque, nada fazia, nada fez e pelo adiantado da idade, nada fará, a não ser, filhos, porque, esses, sempre fez e poderá vir a fazer, não mais em Tute. E se lhes pedissem para fazer algo que não fosse filhos, chorava, como diria minha amiga Maria Isabel, de bocão.

Para falar a verdade, jamais procurei saber como esta havia sido batizada, para logo após ser registrada se é que ela, era. Aliás, mister é que se diga, que, mais fácil era, naqueles tempos, não se registrar, que, deixar de batizar-se. Ainda mais sendo de família extremamente católica, apesar dos saltos, pulos e tudo o mais sobre as cercas. Danada a Tute.

A prima do esposo da comadre que me contara esse caso, era daquelas pessoas, que não podia ver nada da casa amiga, que não se dissesse necessitada daquilo. Quem jamais conheceu alguém assim? Você, leitor? Der-se por feliz...

Certo dia, chegando na casa do primo, Tute, observou que os seis filhos daquele, tinham duas bicicletas. Natural que os seis, tivessem quando nada, quatro, mas, só tinham duas. Mesmo assim...

- Coitadinho de Edvaldo, nunca pode comprar uma bicicleta, vive pra cima e pra baixo de pé. – Lamentou-se Tute, sem observar que eram duas, para os seis.

Edvaldo é um dos seis, sete, ou, oito filhos. Talvez seis ou sete, de preferencia o último, que, é conta de mentiroso, e, combina mais com a mãe. Esse pobre, por longo tempo, penou com um grave caso de esquizofrenia. Da colônia para casa, de casa para a colônia, até que, parece que ficou bom, e, aposentado. Aliás, depois da aposentadoria, seja pelos medicamentos que já pode comprar, seja por uma ocupação, aposentado, seja por motivo outro qualquer, o fato é que nunca mais o jovem, pirou, como dantes. De certo, que se a gente olhar para ele, logo se ver algo estranho em seu olhar, num misto de lerdo, bobo, porque risonho em demasia. Não que sorrir, não seja bom. Más é que, pelo riso, se tira o estado de felicidade, o número dos problemas, o nível cultural e até o estado de loucura. Existem sorrisos e mais sorrisos.

Não é bom abusarmos do seu sorriso, portanto, voltemos ao diálogo do primo com sua prima, que desta forma me narrou a comadre:

- - Mas, Edvaldo não é aposentado? Retrucou o primo, sem entrar no mérito. Que mérito? O da inveja...

- É...

- Por que então não comprar uma, mesmo que a prestação?

- Porque o coitado só vive por causa dos medicamentos e o dinheiro que recebe da sua aposentadoria, não dá pra nada. É remédio daqui, uma pomada dali, uma ajudinha nas despesas da família, mais acolá, e, pronto, se foi o dinheiro.

O primo, já chateado da boca de me dá, da Tute, resolveu colocar a verdade em seu nariz, ali mesmo, naquele instante. Era contra seus princípios, desmascarar alguém. Mas, ali ele não estava diante de um simples alguém. Em sua frente, se encontrava Tute, a magricela sertaneja, de olhos de lince que tudo ver, misturado com os de cobra, que dizem, é miséria pura. Sim, estava o primo diante daquele expoente de magreza, quase uma Gizele, em sua bela feiura, não fosse as boqueiras que causava a quantos, um certo tipo de asco; diante daquela, que, tudo pede, a que tudo quer, a que tudo sofre, e que tudo... o que mais leitor? Fugindo aos seus princípios, tinha que dar um basta na cara de pau da prima.

Irritado, veja leitor, a que ponto Tute, conduziu seu primo, ou quase, porque este, nunca se irritava, não fosse por se encontrar diante dela, foi que ele falou:

- Mas Tute, nós vivemos aqui na cidade, e, tudo que queremos, tem que ser pelo dinheiro: um pimentão, alface, tomate, batatinha, cebola, alho, galinha, ovos, leite, requeijão, carne.... colocou um rosário de produtos que se adquirem para o dia-a-dia, mediante o dinheiro. Você, não tem esses nossos problemas. Afinal, você tem quarenta e nove tarefas de Terras, que dariam, para qualquer família viver, e, viver bem. Aliás, a mãe da Elenita, que trabalha conosco, consegue sustentar sua família vivendo em quinze tarefas. O fazendeiro, Cedraz, em sete tarefas, que lhe parecem mil, planta de tudo, além de criar Avião, um jumento de sua estima, e mais uns treze ou quatorze caprinos. Por falar no Avião, é mister dizer, que o pobre morreu. Louvado seja Deus... mas, levado por sua mania de riqueza, o velho Cedraz, comprou Navio para lhe substituir. Nada mal, trocar um avião por um navio. Isso é para quem pode...Então, Tute- continuou seu primo - por que, você com quarenta e nove passa tanta necessidade?

- Sabe lá Deus...

- Deixa Deus de fora disso. Por que então você não planta feijão, milho, quiabo, mamão, pimentão e várias outras coisas e vende?

- Como? Com um terreno ruim daquele?

- Mas, os seus vizinhos plantam, que estou sabendo. - retrucou o primo.

- Porque conseguiram semente no Sindicato Rural. Quando cheguei lá, já tinha acabado e não tive dinheiro para comprar.

- Mas, você pode viver com a venda do leite, da manteiga e do requeijão.

- Com aquela vaquinha magra? Que por falta de chuva e capim, a mais de três anos apartou e não pariu mais?

- Tá bem Tute. Por que você não cria ovinos e caprinos? Rendem rápido, e podem sobreviver na caatinga. Conheço muitas famílias, que, sobrevivem do que lhes dá a caprinocultura. Hoje, existe uma procura bastante intensa por produtos derivados,0 desta. O leite de cabra por exemplo, é bastante valorizado por ser rico em proteínas e ter menos gordura que o das vacas. O doce deste leite tem sido industrializado em toda a nossa região e com muito sucesso. Ademais, exige muito poucos recursos do criador, para manter este tipo de criação...

- Com que dinheiro compro o plantel, se nem comer direito a gente come?

- Se você não tem crédito junto aos bancos de fomento, tome de sociedade os primeiros ovinos, ou, caprinos, assim, considerando que elas parem sempre de dois e duas vezes no ano, logo, você terá o seu plantel. Não é tão difícil assim, é, uma questão de boa vontade e querer...

- E quem confia? Deixa de ser besta primo, ninguém, hoje em dia, confia em ninguém. É lei de miricy, cada um cuida de si. É lei do cão mesmo.

- Deixemos as ovelhas de lado. Você poderia produzir ovos, deitar as galinhas, e posteriormente, quando o número fosse suficiente, você poderia muito bem viver da venda de ovos. Afinal, muitos impérios começaram do nada. Sempre vale a pena tentar.

- Pra tu ter uma idéia de como a coisa por lá é difícil, as galinhas foram sumindo, sumindo, outras morrendo e para te falar a verdade, a última galinha que eu tinha, subia alto em uma árvore, para dormir e não sei bem porque, de lá despencou, vindo a cair sobre uma cerca e acabou que, estrepou o papo em uma estaca e morreu...

- Mas, pelo menos a carne você aproveitou...

- Quem disse! Quando ia me dirigindo para pegar a finada, um demônio de um Gavião, chegou primeiro, e com suas garras afiadas, levou minha última galinha.

Desistiu o primo!!!

Antonio Rey
Enviado por Antonio Rey em 03/07/2007
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