Caô cabecinha

Almerinda, 23, separada há pouco tempo. Voltara pra casa da mãe com a filhinha de três anos porque não podia arcar sozinha com o aluguel. O marido sumira como a poeira no ar. Soube depois que ele tinha voltado pra casa da mãe no interior de Alagoas. Não tinha sido por causa de outra. Pior ainda. A culpa seria inteiramente dela.

Sua timidez então transformou-se numa profunda tristeza. Sua tia Esperança, irmã de sua mãe, chegou a recomendar-lhe um centro espírita perto de onde moravam, na Abolição.

Em sua primeira ida ao centro, mulher bela e de corpo exuberante, chamou a atenção de uma das filhas de santo que não entendia o porquê daquele desconsolo todo em seu rosto.

Havia uma espécie de entrevista com as filhas de santo antes do atendimento com a chefe do terreiro. Em certas situações, quando o centro estava muito cheio e os casos não tinham tanta seriedade, algumas filhas de santo – Julieta era uma delas – se responsabilizavam pelo atendimento. Para que ninguém saísse do terreiro por volta das cinco da manhã, como já tinha acontecido.

Julieta deu um jeito de atender com brevidade a sua última “paciente” de modo a que Almerinda fosse a próxima. Não foi muito difícil fazer com que a jovem falasse de seus problemas, especialmente por ter sido amavelmente recebida por Julieta, sempre com um expressivo sorriso no rosto a cada frase que pronunciava.

Depois da conversa inicial, que se estendera um pouco além do habitual, as duas combinaram um novo encontro na casa de Julieta para uma conversa com mais conforto.

Durante o encontro na casa de Julieta, depois de a filha de santo ter convencido Almerinda de que não há relação ou nada que nunca termine, Almerinda aceitou o emprego que a filha de santo lhe ofereceu em sua casa. Iria trabalhar como doméstica, podendo levar sua filhinha de três anos.

Numa noite, por volta das sete horas, tiveram que levar às pressas Marcinha ao hospital. A menina gemia de dores e amolecia nos braços da mãe. Colocaram-na no soro e somente após a meia noite a menina teve alta. Almerinda impressionara-se com a inclusão da menina no plano de saúde de Julieta. Depois de comprarem os remédios prescritos, também comprados por Julieta, voltaram pra casa e após tomarem banho, Julieta pediu que Almerinda ficasse um pouco em seu quarto vendo TV para relaxar e não incomodar a menina que dormia profundamente na sala.

Num dado momento, após carícias em seu braço que Almerinda fingiu não entender, Julieta tentou beijá-la. Almerinda conseguiu fugir pra sala.

Dois meses depois, Almerinda conheceu Alonso na feira que fazia pra sua mãe nos fins de semana e começam a se relacionar. Julieta descobre esse relacionamento após uma ligação para Almerinda à noite atendida por ela. A partir daí, a empregada começa a ser monitorada pela amiga-patroa, de quem recebe ligações pela manhã e à tarde durante a semana para saber se ela estava em casa.

Certo dia, Julieta chega do trabalho com a cabeça raspada. Quimioterapia. Julieta assusta-se, pois, como todo mundo, tinha aprendido que o câncer é um mal devastador e incurável. Decide então ser mais atenciosa com Julieta e num final de noite terminam as duas na mesma cama, Marcinha na sala num sono profundo.

No primeiro final de semana em casa de sua mãe, encontra-se com a tia Esperança. Tem Alonso a seu lado, a quem olha com certo sentimento de culpa.

- E aí, como vai indo lá com a filha de santo?

- Tudo bem, tia. Ela é que não parece muito legal. Apareceu com a cabeça raspada. Está fazendo quimioterapia. Tá com aquela doença.

- Nada disso, menina. Ela está é se preparando pra ser mãe-de-santo. Ela deve ser a escolhida. Faz parte da hierarquia.

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 24/02/2016
Reeditado em 26/02/2016
Código do texto: T5554078
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