O MESTRE

Há muito tempo atrás, numa época remota quando os valores eram mais sólidos,havia um mestre: seus pés descalços, sua cabeça desprovida de pelos, suas mãos vazias. Seus olhos profundos e cansados, poços insondáveis de sabedoria e solidão, eram dois luminares castanho-escuros que apesar de gastos ainda traziam em si um certo brilho que se espalhava pelo rosto curtido de sol, quando ele sorria.

Seu corpo envelhecido não se arqueava, era rijo, fruto do trabalho, do trato que havia entre ele e a terra, que ele abençoava e que a ele respondia a cada fruto e a cada semente que ele à terra amorosamente devolvia.

Suas vestes não possuíam bolsos, porquê ele nada juntava para si. Eram simples, sem a distração das cores, de tecido forte, feitas para durar,já que era assim que ele gostava. Cuidava delas com asseio nas águas correntes do rio, sob o sol da manhã.

Seu nome esquecido não se fazia lembrar. Chamavam-no “Mestre”, e essa alcunha lhe servia porque ele conhecia muitas estórias e através delas podia explicar quase tudo. Sabia dizer muito com poucas palavras, possuía licença para cauterizar feridas da alma e curar através da esperança. Se perguntavam a ele de onde vinha, dizia que de muitos lugares. Se perguntavam para onde ia, respondia até onde seus pés alcançassem. Se indagavam acerca de sua família, em silencio abarcava a todos num só olhar e nada dizia. Jamais se despedia, levantava-se ainda muito cedo, junto com o sol e partia. De si quase nada deixava, a não ser os rastros dos pés descalços e uma grande mensagem de amor.

Não conheci esse mestre, pois viveu há muito tempo atrás e se porventura ele existisse agora não o reconheceria. Sou como você, muitos compromissos, não tenho tempo de andar por aí, aos pés das montanhas, pelos vales, ouvindo um velho careca, maltrapilho e sem pressa, que por certo não saberia o que é um fast-food,

generosamente dividiria comigo suas raízes e frutos e então me olharia com seus olhos profundos e veria minha alma. Já faz muito tempo que ninguém a vê...

Analí Almeida
Enviado por Analí Almeida em 08/07/2007
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