Trollagens sem noção

Houve uma época em que ser engraçado e zoeiro era trollar ao máximo o amiguinho. A palavra trollar vem de sacanear, pregar uma peça nele, fazer uma leve maldade. Coisa que o Silvio Santos dissemina no país há um bom tempo.

E um certo grupo de amigos tinha essa mania infantil, apesar de já serem todos rapazes barbados. Você não podia descuidar na escola que sua mochila era preenchida com pedras, arame, terra, galhos e às vezes até animais mortos. Uma vez, Vinícius estava conversando com os amigos, com sua mochila nas costas, e Roger amarrou a alça de mão da mochila (aquela que ninguém usa) dele em uma corda que estava presa a uma estrutura de uma obra. O garoto conversando normalmente, quando Roger grita:

- Olha o cachorro! Corre negada!

Vinícius corre e logo sente o impacto da corda puxando-o para trás. Um buggie-jump em plena reta. A mochila dele se rasgou com o impacto e rendeu uns bons risos e ele prometeu que se vingaria sempre.

Isso foi se tornando uma situação cada vez mais periculosa. Você não podia vacilar um minuto que desenhavam órgãos sexuais masculinos no seu caderno e quando eles visitavam sua casa você não podia deixá-los sozinho um minuto: comiam sua geladeira, rabiscavam as coisas, alteravam o papel de parede do seu computador, enviavam mensagens para todo mundo. Era um caos.

E a situação era só uma bola de neve. Você trollava alguém hoje, ele te trollava três vezes pior amanhã, e você contra-atacava e por aí vai. Até o dia em que o pessoal conheceu Júlio, um dos piores seres da humanidade.

O rapaz não media escrúpulos para te sacanear. Até sapo nas mochilas aparecia às vezes. Sem contar que ele foi o pioneiro nas famosas Dick Picks. Ele pegava as câmeras digitais da galera (sim, celular ainda não tirava foto na época), corria no banheiro e tirava altas fotos do seu membro e botava a câmera quieta no lugar. No outro dia as pessoas tinham uma surpresinha quando iam baixar as fotos para o computador. Certa vez, a galera resolveu se vingar dele. Por algum motivo, estava a turma fazendo uma festinha na sua casa quando de repente ele decide sair para comer um sanduíche. Ele apenas entrega a chave para um e avisa “tranque e jogue por debaixo da porta, tenho uma cópia”.

O povo não acreditou naquela oportunidade e o espírito da sacanagem baixou sobre eles. Sem medir escrúpulos, eles usaram toda sua imaginação vingativa para deixar a casa dele de cabeça para baixo. Pegaram todas as suas meias e fizeram uma bola gigante com ela. Desenharam coisas obscenas dentro do guarda roupa dele. Tiraram o estrado da cama e jogaram no terreiro, botando apenas o colchão equilibrado para quando ele fosse deitar cair no chão. Colocaram seus tênis num balde de água e socaram dentro da geladeira. E o grand finalle foi um imenso varal amarrando todas as roupas dele e passando por toda a república em que ele morava. Os amigos tiraram várias fotos para registrar o momento e foram embora, com o sentido de dever cumprido.

Quando Júlio chegou (história que ele narrou no dia seguinte) ele disse que ficou indignado. Voltou de ressaca e passou horas e horas desamarrando suas roupas. Ele dormiu no chão mesmo com preguiça de ir buscar o estrado e o tênis ele só viu no dia seguinte, quando já havia virado um grande cubo de gelo que demorou a descongelar. Ele jurou mais vingança ainda e a história só aumentava. O detalhe é que o coitado não tinha ferro de passar roupa, então ele ficou uns dois meses andando com as roupas amarrotadas.

Depois disso ele fez várias sacanagens. Certa vez ele estava pilotando uma moto e pediu o amigo que estava na carona para descer, pois ele ia olhar uma coisa no pneu. Quando o amigo saiu da moto, ele acelerou e o deixou a uma boa distancia do destino final. Ele também enviou fotos comprometedoras do pessoal para ser publicado em um jornal de comédia que circulava na cidade (o que quase custou o emprego de um deles).

Mas em uma dessas tentativas, Júlio acabou se dando muito mal. Ele tinha feito mais uma reunião amigável na casa dele e a galera estava lá conversando e jogando prosa fora na varanda. Quando, do nada, ele vem e joga um balde d’água na galera pela janela e a fecha. Indignados, o povo prometeu descontar. Só que Júlio, e mais alguns poucos que estavam lá dentro, trancaram todas as portas e janelas, então a casa ficou dividida em duas equipes. A guerra de água corria solta, mas o time de fora tinha uma leve desvantagem, pois só podiam contra-atacar. Era só eles abrirem uma porta ou uma janela e garrafas, galões, baldes e até a mangueira de água atacava. A guerra durou um bom tempo, até quando Júlio fez uma grande bola de papel com Bombril e lançou uma fireball na galera. O povo apelou com a falta de noção dele, ao arremessar uma bola flamejante, e prometeram que iriam ganhar aquela batalha.

Um estrategista muito inteligente chamou a atenção deles para a porta da cozinha. Toda hora o grupo de fora, denominado Resistência, atacava no mesmo lugar. Ao serem dispersos para aquela região, eles esqueceram os quartos. Um amigo apenas colocou a ponta da mangueira pela fresta da janela e deixou lá, ensopando o quarto. O grupo de dentro da casa demorou um pouco para perceber, visto que estavam ocupados guerreando e quando notaram a água já tinha ensopado todo o quarto de Júlio. Seus cadernos foram molhados, roupas, cama, enfim, tudo. A única coisa que vimos depois foi uma toalha branca aparecendo na janela, pedindo paz!

Depois de quase botarem fogo ou inundarem a casa, um tratado contra as trollagens foi assinado e por sorte as brincadeiras diminuíram. Caso contrário, acho que ninguém estaria vivo até hoje.

Lalinho
Enviado por Lalinho em 14/03/2016
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