SINHÁ TERTA A CONTADORA DE ESTÓRIAS!

SINHÁ TERTA, A CONTADORA DE ESTÓRIAS

Nas recônditas memórias escondidas da minha infância, saltam figuras quase lendárias e em meus devaneios chego a suspeitar que essas figuras sejam mesmo lendas. Sinhá Terta , não era lenda. Era amiga da minha avó, os pais vieram do Congo como escravos, a menina Terta (deve ser um nome africano), nasceu livre, era brasileira e pela lei do ventre livre ela escapou da escravidão. Ninguém sabia ao certo a sua idade, supunha-se que teria entre 90 e 110 anos.Minha avó dizia que as pessoas de raça negra não aparentam a idade que tem e parecem bem mais jovens. Pra mim, Sinhá Terta era mais velha do que Adão e Eva. Eu achava que ela já andava na terra antes de Deus criar o ser humano. Era criança, e os cabelos longos e brancos da Sinhá numa imensa carapinha trançada, me fazia ter por ela uma admiração imensa, só ela e papai Noel os tinham tão brancos;os dois traziam presentes nos sacos...

Morava em Campo Redondo, cidade distante uns 30 ou 40km de Santa Cruz onde vivíamos e só aparecia em nossa casa no período das safras de milho e feijão, dia de feira. Vinha de pau de arara e trazia consigo sacos imensos de milho, feijão, jerimum, melancia , tudo enfim que a terra dá , ela trazia para minha avó. A visita durava uma semana para deleite de toda família.

Ela e meu avô compactuavam histórias. nunca soube se eram verídicas ou fictícias, mas eu adorava.

Uma delas era essa:

-Ói , minha fia, seu vô Eipído(meu avo se chamava Elpídio), quano se casou cum dona Zefa(minha avó era Josefa Helena),foro morá in campo redondo mode ele tumar conta da delegacia. Dona Zefinha era meninota ainda, tinha medo inté da sombra dela( e dava aquela risadinha misteriosa), uma noite chuvosa, cheia de relâmpo e truvão, lá bem de madrugada, o sino da igreja deu a bixiga pra badalá.E badalava, badalava, que o povo da cidade todinha se acordou.Nexe tempo(ela falava nexe ao invés de nesse),eu era vizinha lá de seu Eipído e dona Zefa e fui a premera que me alevantei.Peguei uma lamparina e fui bater na porta deles mode ver o que ele ia fazê, já qui era o home da lei.As mulé tudo rezano pra vilge do desterro dizeno que era assombração, os home pensano que era ladrão. Seu vô ajuntou um mói de home, pegaro as ispingarda e foro ver o que danado tinha dado no sino da igreja que num parava de badalar.Nóis mulé, ficamo tudo na caiçada mode ver se era aima do outo mundo mermo.

-Aqui faço um aparte para descrever Sinhá Terta: Era alta, nem sei se era tão alta, mas com seis, sete anos de idade, todo mundo é muito grande pra gente, muito magra, quase esquelética, os cabelos carapinhados, mas trançados e brancos. Usava saias de chita muito coloridas e estampadas que lhe chegavam aos pés quase sempre descalços (calçado só usava pra ir na igreja)o rosto muito enrugado lhe conferiam uma aparência surreal, quase de morta-viva.Mas a vós, era como um acalanto.Doce, comedida, como se a vida inteira tivesse medo de falar alguma bobagem ou de magoar as pessoas. Uma vez lhe perguntei se ela não tinha peito como as outras mulheres grandes, me respondeu assim:-Tinha minha fia, mai foram caíno, caíno, agora vevem na minha barriga e nem aparece mais. Assim era Sinhá Terta. Voltemos a estória:

-Quano chegaro na igreja os home impacaro que nem burro cum medo de entrar, mas seu vó era cabra macho e arresoiveu ir sozinho. Veno a valentia do home, Antôi sordado dixe que tombem ia, entonce ajuntou-se seu vô, Antôi sordado e mai uns dói ou trei, num me alembro e arrombaro a porta da igreja, pruque só que tinha a chave era o pade de santa crui que vinha um veiz no meiz, mode reza missa , casar gente e batizar menino aí abria a igreja.

Eles entraro de inpingarda na mão, e foro direto PA torre. Chegaram lá, advinha o que encontraro?uma curuja grandona enrrolada nas corda do sino que tava veia e desfiada e inganchou as garra da bicha que quanto mais fazia foiça mode se sortá, mai badalava o sino.E ocê pensano que seu vô ia incontrá aima penada, num era(risadinha misteriosa)????Seu Eipído desencaiô a curuja e vortou pra casa, num sei se foi pru causa disso ou não, mai a chuva que não parava, derrubou duas casinha nessa noite e morrero os povo tudim que morava nelas, trei piquininim que nem ocê, um casar e dói veio no totar de sete. O povo dizia que a curuja tava avisano, eu num sei de nada, mas acredito mermo que era aviso. Curuja é bixo agourento!

Hoje, estou com 57 anos de saudades!