A razão identitária:

Dois monges estudavam dialética numa pequena cela do monastério. Um deles pretendia estudar na Universidade de Salamanca assim que terminasse seus estudos das artes liberais e pudesse ingressar no ensino superior. Via-se ali uma sinfonia anacrônica que permeava o espírito do tempo, parecia que um deles estava contaminado com os vícios gnósticos procurava vencer o demiurgo com todas as suas forças. O segundo explicava-lhe porque ele deveria dar mais ouvidos ao poder da razão e desistir da ideia de convencê-lo a adotar tal ideia herética. Todos, por conseguinte, passavam por períodos complicados, e copiar todos aqueles textos clássicos, com um afinco que nunca seria agradecido posteriormente, era o afã daqueles pobres homens. O esforço estoico de preservar a razão era o que os guiava , o ensinamento daqueles tempos daria lugar a uma série de práticas identitárias, que fariam sua cor da pele importar mais do que o conteúdo do seu caráter. Parece moderno, mas a busca razão hoje em dia semelha-se a mais pura ortodoxia teológica dos tempos medievais. Interrogava o primeiro monge:

–-Irmão, e se deus for mal, e esteja esse tempo todo querendo nos manter presos em uma realidade imaginária, para que assim possamos ser livres de nossa própria essência? — Questionava ele como se estivesse inquirindo algo muito importante, sentia-se preso as maldades de um demiurgo, que tolhia-lhe todos os esforços de alcançar a verdadeira luz. –- Eu realmente penso que nessa vida, todo o esforço que nossos irmãos copistas andam tendo de preservar o ensinamento dos antigos é vão. Eles criam muito numa regularidade do cosmos, e isso não parece se encaixar no que penso ser a realidade. Primeiramente, teria eu de definir que concordo com a parte que diz que o Senhor fez um mundo regrado, mas não creio que seja para um propósito bom. Com toda sinceridade, penso que tramam contra mim. Deus e seus fatos cruéis que me impedem de ser feliz.

— — Quanta bombagem, meu caro! Diz com as seguintes palavras as escrituras: Deus Criou o mundo e viu que o mundo era bom. O que tanto sentes para que duvides disso? — — Nestas palavras jaziam os últimos resquícios de sensatez inerentes àquela época . O segundo monge era um típico homem do seu tempo, buscava nas escrituras e nos ensinamentos da filosofia grega um grande compêndio de verdades universais que poderiam guiar o homem aos mais excelsos propósitos. Longe de querer ver em Deus uma grande conspiração do universo contra si, ele queria mesmo entender o quão magnífica era a criação e explaná-la do modo mais racional possível. Estava escrito: compreender a criatura é compreender seu criador; os homens daquele tempo estavam interessados, assim, em buscar no inventário de criações divinas a bela imagem do Deus todo poderoso encontrado nas escrituras. O homem daquele tempo era outro, poderia bem dizer o saudosista, criatura que aparece de tempos em tempos em qualquer período da história humana.

— — Sabe, irmão, às vezes sinto-me como se todos a minha volta fossem seres privilegiados, menos eu! Sinto-me também como se muitos da minha classe não fossem cientes dessa condição, queria muito que todos os seres humanos que partilham das características que partilho, vivem como eu vivo, sentem como eu sinto, são como eu sou, queria que todos esses levantassem-se contra toda a maldade que eu vejo, mas todos os meus esforços para que isso aconteça são ineptos, meu caro. — — Quem ouvia assim falar poderia sentir toda aquela dor no coração do primeiro monge, mas não era pela palavra de Cristo que tal homem sofria ; ele já estava perdido para a heresia posterior há muito tempo. — Quanto sofrimento eu sinto, não podes entender, sinto que devem-me a alma por cada lágrima que derramei, mas esses homens não conseguem entender meu apelo.

— — Meu caro, muitas vezes nesta vida temos de ser fortes, suportar os percalços dessa pobre existência com o amor a Deus. Não sabes tu que o pecado original nos destinou todos ao sofrimento? — — O monge não percebeu que acabava de provocar o próprio demônio. Homens como esses hereges não percebem a tempo que pessoas vendidas para os tempos posteriores em pleno auge do cristianismo não podem ser afrontadas de tal maneira . O outro monge sentia-se como se todos os seus trabalhos fossem injustamente recompensados , não era essa a sina do homem medieval, mas sua mente via a trama de todos a volta contra sua raça e pessoas assim não agem normalmente. Ele via maldade onde havia bem, odiosidade onde havia compaixão; como homem da época moderna tinha medo da realidade e ojerizava a razão. Não se podia encontrar ali nada que lembrasse o homem do tempo em que vivia, poderia ter medo de Deus, assim como ter medo da ciência, e ver na técnica um algoz sem igual. Quem sou eu? O que estou fazendo aqui? Quando tais perguntas não eram respondidas com um nada ditatorial, eram respondidas com o produto das ações de um deus mau. Medo de Deus, insegurança perante a morte, eis a sina do homem em um tempo errado, mas achas que tudo isso findaria assim? — — Vamos irmão diga-me como posso ajudá-lo?

— — Apenas junte-se a mim, peço-lhe! Derrotemos o demiurgo! — — Esse era o último pedido que ele poderia fazer!

— — Mas não posso, vai contra a minha razão!

— — Mas Tu és igual a mim! Esta era a última coisa que deverias fazer, entregar-se ao deus mau! — — Disse o homem como se a última coisa que desejasse fosse encontrar identidade na razão….

Fim!

Eric Deller
Enviado por Eric Deller em 10/08/2016
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