Dom Quimarx

No mundo sempre existem aqueles que são idealistas, pessoas que desejam construir um mundo melhor e que acham que para isso necessitam destruir toda a organização social vigente. Todos esses são homens dispostos a seguir com afinco os ditames da mente revolucionária e dispostos a mudar o mundo, mesmo a base da guerra. Desejam acabar com o império da fé, ou com a pobreza entre as nações, e até mesmo com a exploração do patriarcado. O que se sabe é que todos esses sofrem de um mal que assola a vida intelectual moderna: o medo da realidade. Seriam capazes de construir uma nova, se pudessem, e tentam, grande esforço gnóstico de destruir a ilusão do demiurgo e revelar a verdadeira essência; tais almas desejam apenas ver seus corpos livres das amarras que as separam de um mundo doce e feliz. Claro, tudo isso não passa de uma ilusão. Nesta doce, mas, ao mesmo tempo, hedionda história, quero mostrar como tal coisa pode ser possível. Contarei a história do jovem Dom Quimarx, que enfrentava seus moinhos de vento imaginários, quase matou todos, menos ele, é claro. Cresceu e se criou como filósofo, e insatisfeito com o fato de que todos os pensadores que o precediam tentavam entender o mundo, mas não mudá-lo, deleitou-se com a ideia de mudar esse paradigma, e pôs-se a querer mudar o mundo. Para a alegria dele e a tristeza de muitos, o jovem que queria matar deus antes de Nietzsche, pensava deliciosamente sobre como poderia derrotar o demiurgo da realidade Quimarx era a mente revolucionária em excelência. Da noite para o dia, o jovem teve uma ideia:

- Para mudar tal realidade, destruir os temíveis desígnios do Deus todo poderoso, eu preciso primeiro partir da ideia de que toda a natureza imanente a própria realidade é , em suma, determinada pelas relações econômicas que, por conta, determinam a natureza das relações culturais. Assim determino que há uma superestrutura, e essa, por sua vez, é determinada pela infraestrutura. Posso assim dizer que necessito planejar uma revolução no campo econômico e , do nada, toda uma sociedade nova nascerá a partir disso, e o melhor de tudo, sem Deus.

Pensava em todos os pormenores da revolução o jovem Quimarx, tinha em mente todas as mais pérfidas sublevações da ordem natural para que assim ele pudesse destruir o demiurgo. Não pensava em consequências gerais de suas ideias, mas refletia ardilosamente todos os detalhes da grande destruição. Todo pensador é assim, ama com todas as suas forças o afã de se aventurar no mundo das ideias, mas não sabe que todo pensamento mal fortunado, toda ideia intrinsecamente má, toda asserção revolucionária, tudo isso já contém em si mesmo o cerne de toda a maldade que seguirá a formulação dela mesma; não há assim como se pensar que toda ideia é boa, e que apenas suas consequências são más, não há deturpação de ideias, basta procurar a maldade inerente com muito afinco, e certamente encontrará. Enquanto o jovem idealista pensava em como subverter a realidade, as consequências de seu pensamento já estavam sendo desenhadas nos próprios desígnios de Deus.

- Para tudo isso eu necessito concentrar toda a produção no estado, destruir a ideia de classe social, e depois destruir o próprio estado e instaurar o comunismo.- Pensava detalhadamente Quimarx, deliciando-se com seu pensamento precisamente idealista.

Passou-se o tempo as profecias se cumpriram, milhões de mortos, realidade destruída, outra foi posta no lugar. Quem pensa que és para subverter toda a realidade desta forma? O demiurgo, soberano, revoltou-se, pensava ele como tal homem, pequeno por sua natureza, poderia querer sublevar-se contra a realidade. O homem é um ser fadado as peripécias do destino, desencontrado, inútil perante a totalidade da natureza, sempre pensa que pode fazer-se como se não houvesse realidade; todos os homens revolucionam, mas ao mesmo tempo destroem a única coisa que pode dar-lhes um norte e guiá-los a um mundo melhor, a própria realidade. O fato é que não há nem um mundo de leis imutáveis que impossibilitam a mudança, nem um universo proteiforme e que permite qualquer subversão que vis mentes humanas possam imaginar, o mundo é perfeito com suas imperfeições, e qualquer sistema político que queira funcionar precisa entender isso. Quimarx entendia todos os avisos, ignorava-os, deu no que deu. Todo pensamento utópico é tudo isso que vos falei, pretensão de que todos os dias pudesse haver uma revolução copernicana, como se o sol pudesse estar em qualquer lugar além do centro do universo. Todos os dias surgem aqueles que sentem-se assim e tais pensamentos só destroem aquilo que se deseja aprimorar. A pretensão de ser o sol, só faz com que nos expulsemos de nosso lugar, e saiamos do meio, para que sejamos os últimos. Desejemos felicidade, mas precisamos primeiro de realidade.

Eric Deller
Enviado por Eric Deller em 10/08/2016
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