PARA UMA NOVA AULA: Desilusão 1.

Sentado sem conforto em uma sala com o coordenador do curso e vários outros professores, Midas acompanhava a discussão sobre o novo currículo que estava sendo montado. Para variar, nenhuma grande mudança tinha sido proposta até então.

Sem exceção, todos preferiam concordar apenas com a adoção de novos nomes para disciplinas antigas e também com uma nova periodização para elas. Algo que vinha sendo feito há décadas com uma certa "maestria", sem produzir bons resultados.

Tal fato aliás, sempre foi motivo de muita reclamação por parte dos alunos. A maioria nunca viu muito sentido nessas frequentes mudanças "cosméticas", ficando com a certeza que a Universidade acabou se tornando a única beneficiada dessa atitude insana e unilateral.

Após 20 anos lecionando no curso de Administração da Universidade, Midas tinha algumas ideias sobre novas possibilidades e formatos de aula. Contudo, tinha muito medo de se expor, já que a maioria fugia ao padrão estabelecido para uma instituição tão conservadora.

Uma dessas ideias era a criação de uma matéria diferente, chamada de “a disciplina do absurdo”. Ela teria um encontro de 100 minutos por semana (34 horas-aula), totalizando 17 encontros ao longo de todo o semestre.

O primeiro encontro da disciplina ficaria reservado para explicar e discutir o funcionamento e o conteúdo da mesma. Bem como para realizar o sorteio que definiria a ordem das apresentações de todos os alunos.

Os dois encontros seguintes seriam para o professor apresentar quatro idéias, suas ou de outros, nos formatos que considerasse como mais adequados. Seguindo sua proposta inicial e servindo como referência para os alunos.

Nos outros 13 encontros, no máximo 30 alunos matriculados teriam entre 20 e 30 minutos para expor uma ideia absurda (diferente, criativa, inovadora) sobre uma nova empresa, serviço ou produto que pudessem ter espaço no mercado. Valeria tudo, sem prévia censura ou críticas.

A cada encontro dois ou três alunos apresentariam suas idéias com grande riqueza de detalhes, usando os recursos que quisessem. E ainda sobrariam de 20 a 30 minutos no final para um debate entre todos os participantes.

O último encontro seria reservado para uma avaliação geral da disciplina. Com eleição das melhores e piores ideias, de acordo com o roteiro previsto e as apresentações realizadas. Atribuindo uma nota para elas, sem caráter punitivo.

Midas parou e refletiu. Levantou a cabeça e olhou bem nos olhos de cada um dos presentes àquela reunião. Pensou em tudo que estava em jogo dentro e fora da instituição e concluiu com serenidade. "Não. Ainda não vale a pena arriscar. Melhor deixar essa porra (sic) para lá. Não vai adiantar nada mesmo".

Sorriu amarelo e olhou para o relógio pela enésima vez, torcendo para que a hora de ir embora chegasse logo. Afinal de contas, sua cabeça e seu estômago já não aguentavam mais tanta dissimulação e tanto medo concentrados em um só momento. "Deus me livre e guarde". Como na Grécia de antigamente, aquela comédia estava com cara de tragédia.

Mello Cunha
Enviado por Mello Cunha em 10/09/2016
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