Pérola

Esta é a história de um pescador, solitário e muito trabalhador.

Dia após dia, de sol a sol, ele saía com seu pequeno barco para além das águas tranquilas da enseada, bem longe, para buscar os peixes de que necessitava para colocar pão em sua mesa.

Esta era sua vida: previsível, sem surpresas ou sobressaltos.

Porém, num dado dia de fracas brisas e pouca pesca, sua rede lhe trouxe, junto com uns minguados peixes e algumas algas, uma grande ostra - a maior que ele já houvera visto. Assustado com o tamanho daquela criatura, logo tratou de colher seu canivete do bolso de trás da calça e abri-la.

- Uau!

Seu assombro com a pérola que encontrara era proporcional ao tamanho da descomunal ostra. Que pérola graúda e linda! Rosada, lustrosa, perfeitamente esférica, do tamanho de seu polegar do pé inchado de sol e sal marinho: Enorme!

Encheu-se de alegria com aquela novidade, tão grata em sua monótona existência. Gargalhava sozinho, na solidão do barco ancorado ao sabor de uma manhã graciosa nas plácidas águas do alto mar. Em sua imaginação, aquilo era o passe para uma vida melhor e mais rica, seja de dinheiro como também de felicidade.

Não demorou-se mais: puxou as redes, içou a âncora, abriu as velas e partiu-se para a praia, causando estranheza no povo do mercado ao ver aquele pescador voltar tão cedo do oceano.

. . .

Sem revelar seu segredo a ninguém, vendeu o velho barco da família, seu casebre com mais algumas poucas quinquilharias que possuía e botou o pé na estrada, para vender sua maravilhosa pérola; escondida, enrolada no melhor tecido que sua avó lhe deixara de herança, no fundo de sua maleta.

Foi à cidadezinha mais próxima, e tratou de procurar a maior casa comercial da freguesia. Adentrou o lugar e pediu para falar com o proprietário. Empertigado, trajado em seus melhores - mas não exatamente finos - trajes, foi admitido ao escritório do homem, onde contou sua história e revelou, cauteloso, sua valiosa carga. O proprietário avaliou, pensou, refletiu e lhe deu um valor de compra: muito baixo. O pescador tentou negociar, mas não conseguiu arrancar um só tostão a mais daquela oferta minguada. Ofendido, levantou-se, tomou seu chapéu e foi-se embora, tentar vender a pérola na capital.

. . .

Na capital, cidade grande, percorreu bancos e casas de negócio, mas recebia apenas propostas baixas ou nem isso recebia, pois estranhamente uma pérola não era interessante à uma porção de negociantes. Desesperando-se, foi andando para cada vez mais longe, noutras terras e lugares, mas aparentemente ninguém tinha dinheiro ou interesse suficientes para comprar tão raro e valioso item.

Por fim, desalentado, assentou-se numa rocha à beira-mar para refletir sobre tudo aquilo. Que situação esdrúxula! Ter algo ímpar, único, valiosíssimo e não receber uma única proposta à altura daquilo. O que fazer, então? Seus parcos recursos acabavam, e seu ânimo e esperança também se esvaíam como uma fraca chama bruxuleante prestes a apagar-se. Que dilema: vender sua pérola a um valor baixo ou ficar com ela ainda mantendo a vaga esperança de que algum comprador muito rico e generoso lhe oferecesse o que ela merece.

E assim ficou por algum tempo, um tempo bem longo, enquanto o sol se ia e as sombras se alongavam e desapareciam atrás de si, dando lugar à escuridão da noite e ao frio que aumentava nele a sensação de desalento e solidão. Estava triste; não imaginava que isso pudesse ocorrer. Não havia alguém no mundo capaz de reconhecer o valor da pérola? Minimamente interessado ou com recursos que lhe pagassem o que é justo? De que lhe adiantava possuí-la se, ao final, era como nao ter nada?

Cansado de tantas perguntas sem respostas por fim levantou-se no meio da madrugada e, sem maiores sobressaltos, iniciou sua longa jornada de volta para casa.

. . .

Hoje o pescador retomou sua rotina e, todo dia pela manhã, pega seu barco e vai longe, bem longe, buscar os peixes que necessita para viver. Ah, e esta história é real, viu? Não é um conto de pescador. Eu mesmo o conheço: é meu vizinho, e ele próprio me contou tudo isto que hoje vos reporto nestas tortuosas linhas.

A única coisa que ele não me revelou é o que ele fez com a pérola: não sei se vendeu ou se ainda a mantém escondida esperando o grande dia em que irá adornar alguma coroa real ou um belo pescoço duma dama rica. Penso que ele a vendeu, mas não tenho certeza. Nalgumas noites, bem no meio da madrugada, da minha janela posso ver a luzinha tremulante de uma vela no quarto do pescador - e ele lá, sentado, de costas, cabisbaixo, contemplando demoradamente alguma coisa em sua mão esquerda.

Eudes de Pádua Colodino
Enviado por Eudes de Pádua Colodino em 26/09/2016
Reeditado em 26/09/2016
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