O RETIRANTE

O RETIRANTE

Ambrósio era um sertanejo lá do Nordeste, mas, que deixou sua terra natal para tentar a sorte no Estado de São Paulo. Era a década de 50 e estava em evidência o plantio de hortelã nas melhores terras daquela região. Pernambuco sua terra natal estava sendo arrasada impiedosamente pela seca que já não dava a menor esperança de vida para quem ainda resistia viver em meio aquele deserto. Tudo, mas tudo mesmo estava seco.

Já tinha morrido todos os animais que Ambrósio criava: bodes, cabras, vacas leiteiras. Tudo havia sido dizimado pela seca. Das criações quem ainda resistia era seu galo velho até então o último sobrevivente. Mas, sua sorte também havia sido lançada.

Ambrósio via os filhos chorarem de fome sem ter o que comer; sua esposa tão magra que dava para contar os ossos; estavam todos à beira da morte.

Pobre galo! Quem ainda alegrava Ambrósio com seu canto toda manhã, estava também já sem forças. Emudeceu de repente. Já não cantava mais. Também despertar seu dono pra que? Já não tinha mais o que fazer a não ser tentar salvar sua vida e de seus familiares que mal tinham forças para caminhar. E foi ele então, o galo, a última refeição para aquela família que ainda resignava em deixar o sertão bravio, seu berço querido que os viu nascer.

Mas assim fizeram. Mataram o galo para saciar a fome. A última reserva de água que era deixada em sua cacimba pelo caminhão de bombeiros também chegara ao fim. O jeito agora era partir rumo ao desconhecido em busca de sobrevivência.

Naquela manhã de dezembro com céu ainda estrelado e sem uma pequena nuvem para alimentar esperanças de chuva; Ambrósio, sua esposa e os dois filhos menores embarcaram no último “pau - de arara” que por ali passava socorrendo os castigados pela seca ,e seguiram com destino a São Paulo.

Olhando fixo o seu berço querido, forçados a deixar, escorriam lágrimas em seus rostos a cada instante que via se distanciando de seus olhares o lugar de onde jamais imaginam um dia ter que deixar sem rumo, sem destino. Mas era preciso agora, para não ver toda a família morrer de fome e sede. Era mais um dia ensolarado com a brisa soprando de mansinho como dando adeus àquela família de retirantes. E a viagem prosseguia.

Após dois dias de viagem já começavam aparecer os primeiros sinais de vida. O verde aparecia diante de seus olhares dando a ambos um fio de esperança de ainda conseguirem sobreviver. Estavam na verdade à beira da morte. E ali já ressurgiam esperanças de vida. Mais dois dias de viagem, chegaram ainda noite à grande São Paulo. Desembarcaram ali num lugar que era próprio para abrigar retirantes vindos do Nordeste que ardia em seca. Ali aguardavam proprietários de fazendas e alguns empresários bondosos que ofereciam oportunidades de emprego até como aprendiz para quem possuísse alguma habilidade para exercer uma profissão. Ambrósio logo encontrou quem lhe oferecesse uma chácara para cuidar e plantar alguma coisa. Agora já tinham um cantinho para morar, trabalhar e cuidar da esposa e filhos. Muitos vizinhos eram solidários e começaram ajudar com o que mais precisavam. Começaram a criar galinhas, plantar uma hortinha, tudo com ajuda dos vizinhos.

Ambrósio que há tempos não via a cor de dinheiro logo recebeu a primeira quinzena de trabalho e cuidou então de ir ao centro da cidade comprar alguma coisa de primeira necessidade. Surgiu ai a primeira encrenca do pobre Ambrósio. Não tinha conhecimento com o tal de espelho e ao passar em frente a um shopping refletia o visual de alguém corcunda e magricela andando de um lado para outro. O paletó velho, rasgado, tremulava ao vento. Ambrósio parou, o vulto também parou, andou ele também andou, levantou um braço ele fez o mesmo, Ambrósio um pouco distante não continha a indignação de alguém imitando todos os seus gestos. Nordestino daqueles que não leva desaforo para casa partiu em direção ao espelho que o refletia e se não fosse contido pelos seguranças do shopping ;Ambrósio tinha cometido talvez um grande estrago.

Com os ânimos já acalmados Ambrósio ouviu atentamente o aconselhamento dos seguranças que lhe disseram que aquele era um grande espelho que refletia a sua imagem. Não era ninguém zombando dele, não senhor. Foi aí que tristemente ele viu que tinha pequenos defeitos que nunca se apercebera. Andava mesmo corcunda e tinha um andar muito desengonçado. Mas era ele mesmo. Ambrósio e ponto.

Pediu desculpas aos seguranças. Com seu jeitão nordestino agradeceu e saiu rua abaixo com destino à sua nova moradia; monologando:

_Diacho! Quase fui preso! E por pura ignorância minha! Bem feito! O que é que matuto do sertão vem fazer aqui em terras de gente bacana? Ah! Tá tudo certo! Ainda bem que não levei nenhum tabefe. Sorte daqueles caras! E minha também, é claro. Aqui é cidade grande e eu ainda estou meio perdido. Nunca vi essas coisas. Ufa! Levei até muita sorte!

Mas isso ainda não era tudo. Ambrósio ainda tinha muito que aprender.

Um sitiante vizinho sabendo da necessidade do retirante foi até sua casa levando um porco já de quase “meia ceva”. Ofereceu a ele e disse:

_Ambrósio. Sei que você está chegando aqui, agora. Posso te ajudar?

Estou lhe oferecendo este porco para você tratar de “a meia”. Você aceita?

_Claro, disse Ambrósio animado com a proposta do bondoso sitiante.

Colocou o bichinho num pequeno cercado e pediu a Sinhá que colocasse um tacho de água para ferver. Queria tratar bem do porco que o amigo havia oferecido. E assim fez.

O sitiante mal tinha acabado de sair Ambrósio resolveu logo cuidar do porco oferecido pelo amigo para tratar sendo que metade era dele. E agiu muito rápido. Ao cair da tarde, quase noitinha Ambrósio chegou à casa do sitiante, todo animado levando às costas metade do porco que ele havia acabado de sacrificar. Pelo entendimento de Ambrósio tinha feito o combinado. Nada mais do que isso. “Se era” meio a meio “tinha feito o correto”.

Qual não foi a indignação do sitiante com a ação de Ambrósio. Sem entender o que estava acontecendo perguntou:

_Senhor Ambrósio eu dou um porco para o senhor tratar de “a meia” e o senhor acaba matando o bichinho? Era para o senhor acabar de engordá-lo e só então fazer a divisão. Isso levaria no mínimo dois meses de engorda. E agora, o que eu faço?

Ambrósio categoricamente disse ao sitiante:

_Amigo isso eu não sei. Mas minha parte vou fritar tudo, enlatar e dar de comer a minha mulher e os filhos que faz muito tempo não sabem o que é comer carne. Eu nem sei como lhe agradecer por tanta bondade.

O sitiante ficou ainda mais indignado com o que acabara de ouvir. Esboçou um pequeno sorriso com tanta simplicidade, resolveu encerrar o assunto e acabou se conformando porque há muito ouvia dizer:

“Quem dá aos pobres empresta a Deus”.

Antonio Barros
Enviado por Antonio Barros em 10/10/2016
Reeditado em 23/10/2016
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