Amor e Vinho

Jean e Rita saem do salão global, sede de uma confraternização da empresa em que Rita trabalha. Jean abre a porta direita do táxi e entra primeiro. Ele não a aguarda; senta-se, recosta o dorso lateral esquerdo na porta e apoia a testa no vidro. Rita entra, conforta-se no lado direito e solicita ao motorista o lugar de destino.

- Não, eu vou ficar em casa mesmo – interrompe Jean rispidamente – pode seguir para ala norte amigão – completa a frase com tom mais ameno.

- Por quê? - pergunta Rita fingindo surpresa e com o carro já em movimento.

- Por que estou com dor de cabeça.

- Mas estava tão bem antes de chegarmos. De repente te deu dor de cabeça?

- Sim!

- Tenho remédio em casa.

- O único que resolve está no meu apartamento.

- Ah Jean, te conheço muito bem. Do nada ficou emburrado na festa. E agora quer ir pra sua casa num sábado. O que foi?

Jean costumava passar todos os fins de semana na casa de Rita. Lá tinha mais espaço e eles ficavam juntos fazendo programas de casal.

- Nada. Quer dizer, talvez no meu lugar, você possa chamar seu amiguinho barbudo. Ele parecia muito interessado em passar um tempo contigo – Jean continuava olhando para fora do táxi.

- Quem? O Miguel?

- Nossa! Nem precisei dar mais detalhes sobre a anatomia do cara e você já sabe quem é.

- Mas é o único barbudo da agência. E que loucura é essa agora? Você já o conhecia.

- É, conhecia sim, mas não sabia que depois de beber um pouco ele não conseguia falar com você sem tocar alguma parte do seu corpo – agora Jean olhava para Rita.

- Tocar alguma parte do meu corpo? Para de divagar Jean. Conversei com ele assim como conversei com todos. Você está vendo coisas. Na verdade acho que você bebeu demais, isso sim – Rita cessara o tom interrogativo e agora suas palavras soavam acusatórias.

- Bebi duas taças de vinho.

- Jean, me poupe, você nunca bebe só duas taças.

- Então quer dizer que agora eu sou o alcoólatra que estraga sua noite? – a pergunta é feita com muita ironia.

- Não estou dizendo isso. Mas também não podemos ignorar o fato de que seu limite com bebida é um pouco mais difícil de ser alcançado – ela tentava atenuar a revelação.

- Eu posso beber o quanto for, mas não fico tocando e abraçando a mulher alheia. Respeito não depende de álcool e sim de caráter. Se quiser trocar alguém que beba pouco por alguém com a moral frouxa, já pode se juntar ao seu amiguinho.

- Meu Deus Jean, esquece esse cara. O único contato que tenho com ele é dentro da empresa. Sempre que o vejo fora você está junto. E outra, se ele agiu como você está falando, e eu não percebi isso, a culpa não é minha, é dele.

Com a voz bem baixa e um ar reflexivo, Jean diz:

- Quando um não quer dois não brigam.

- Então tá. Se acha que sou capaz de te trair. E se acha que sou tão burra de dar sinais disso na sua frente, não vejo razão para estarmos juntos. Relacionamento é feito de confiança, e pelo jeito você não confia em mim – agora ela dava quase que um ultimato, tentava atentá-lo para a gravidade de suas insinuações.

Jean não responde, olha para frente entre os bancos, estica o braço direito e explica exatamente onde quer parar. Volta para o banco e vira-se para ela.

- Meu amor, desculpa. Vou beber menos. Amanhã nos vemos.