O Paladino

Sobre o prédio lá estava ele, contemplava o céu do fim de tarde início da noite, as nuvens caminhavam para o horizonte e ao fundo a baía de Guanabara era o cenário, os últimos raios do sol ainda relutavam deixar o ar, como se soubesse o que ocorria durante as noites da cidade.

Afogando-se em pensamentos e parado como uma estátua de pedra ele permanecia esperando o momento em que teria de colocar-se novamente frente a frente com as forças que tentam dominar a cidade; era assim há um ano. Suas roupas negras esvoaçavam ao sabor das brisas vindas do mar, o elmo repousava no chão ao seu lado e parecia ter luz própria, sob a capa negra vez por outra o vento revelava com um suave sopro a cruz; seu símbolo.

Cada noite era diferente e nunca sabia o que esperar ou o que iria enfrentar, sabia que o povo da cidade necessitava de ajuda, só não tinha notado a dimensão, muito já tinha se falado a seu respeito, uns diziam que era um anjo, outros cunharam a Expressão “cavaleiro da cruz”. Desembainhando a espada larga cuja lâmina reluzia e ostentava no cabo o formato de seu símbolo; segurou-a firmemente com ambas as mãos e chorou. Durante quase trinta minutos chorou copiosamente, a ponto dos soluços atrapalharem sua respiração.

“Não enquanto eu viver” Disse com a voz embargada.

Amava aquele lugar, que ficara conhecido em todo o mundo como a Cidade maravilhosa e não entregaria sem lutar, porém acompanhava a degradação na qual mergulhava cada dia mais por própria vontade e em suas batalhas estava vendo de perto o porquê. Outros como ele usavam seus dons para causar mal, induzir e corromper pessoas.

O sol finalmente escondeu-se e a noite reapareceu, com isso ficava cada vez mais próxima à hora da batalha; a intensidade dos ventos aumentara e mudara de direção, as lágrimas secaram, o espírito e mente concentravam-se na tarefa. Calmamente embainhou novamente a espada e abaixou-se para reaver seu elmo, colocando-o, sua face ficava totalmente oculta sobre o metal prateado de forma que ninguém o reconheceria, nos últimos meses haviam muitas pessoas atrás de informações, todos queriam saber quem ele era ou o que era.

Olhando para o céu ele caminhou até a amurada do terraço do prédio e se deteve antes do passo derradeiro; lá estava, a imagem que incutira medo nos corações de muitos no decorrer daquele ano, era difícil travar combates com pessoas que nem faziam idéia de que estavam sendo usadas por forças cujo objetivo é unicamente destruí-las, mas precisava ser feito e naquela noite seria um pouco diferente, naquela noite confrontaria frente a frente alguns dos causadores de tanto mal.

Logo a noite trouxe seus servos; o cavaleiro percebeu quando atrás de si os quatro surgiram vindo de lugar algum.

“Vocês não farão aqui o que desejam”_ falou indignado ao virar-se para encará-los.

Não ouve resposta. Seus inimigos envoltos em mantos, se assemelhavam a monges cujas faces também não se revelavam, porém nutriam desejos muito mais destrutivos em seus corações.

Agora sim, o vento soprou com força e como numa dança ensaiada os quatro sacaram suas espadas disformes e garranchadas de lâmina negra; a capa e os mantos também dançavam furiosamente carregados pelas lufadas do ar. Os passos começaram a ser dados e todos se estudavam sem pronunciar palavra até que os quatro conseguiram se pôr em círculo com o cavaleiro ao centro, pareciam cantarolar algum tipo de canto gregoriano baixo, mas audível e finalmente atacaram sem piedade com todas as forças que possuíam debaixo de seus mantos, as lâminas negras cortavam o ar produzindo um som fino e límpido e por outro lado a espada larga fôra desembainhada novamente, quando se encontravam, metal contra metal causavam faíscas e um retinir do atrito ecoava. Como se fosse uma coreografia muito bem ensaiada os movimentos dos monges se contrapunham aos do cavaleiro numa embate que demoraria para terminar, mas o defensor já os tinha vencido em outras ocasiões e naquela noite não seria diferente, a cruz no peito da armadura emitia uma pálida luz tal como a lâmina que riscava a realidade.

***

Um funcionário do edifício que subiu ao terraço para ajustar algumas antenas presenciou maravilhado sem conceber do que se tratava, o momento em que com estrema destreza e beleza nos movimentos aquilo que parecia ser um paladino atravessara dois de seus adversários, sua capa erguida no ar como asas estendidas para o céu.

Por fim os outros dois que restaram não agüentaram o confronto e fugiram desaparecendo em pleno ar como que levados pelo vento e com um movimento de cabeça o cavaleiro envolto em roupas negras correu e arremessou-se do terraço para uma queda vertiginosa e mortal. Encantado o funcionário correu para a amurada, mas ao chegar não viu ninguém.

Luiz Cézar da Silva
Enviado por Luiz Cézar da Silva em 27/07/2007
Reeditado em 27/07/2007
Código do texto: T581261