E AÍ CUMPADRE?

E AÍ COMPADRE?

Antigamente, há muitos anos atrás, antes da construção da BR-101, popularmente conhecida como Rodovia Rio-Santos, rodovia que liga Santos ao Rio de Janeiro pelo litoral, era muito difícil visitar as praias ao lado norte do município. O acesso a essas praias era através de uma trilha passando por montanhas e praias, muitas vezes íngreme e levava-se quase um dia todo para ir a uma dessas praias, e por isso normalmente ia-se à cavalo para adiantar a jornada. Jacundino, morador do bairro do Itaguá onde tinha uma vendinha, resolveu visitar seu compadre Jacozinho casado com Dona Dinda, moradores da praia do Prumirim e levar a ele uma resma de fumo e palha de milho para seu cigarrinho habitual que ele gostava de pitar no fim de tarde para espantar os mosquitos, também usar o fumo para umas mezinhas. Na manhã seguinte levantou com o raiar do dia porque a jornada seria longa e cansativa, tomou seu café, selou o cavalo emprestado do seu vizinho Zé do Pinho, pensou se devia levar uma matula porque na última visita que fez o compadre não ofereceu nem um café, dizendo que já tinha almoçado e a comadre estava cansada da lida na roça não podia ir para o fogão preparar um de comer, na verdade o compadre era um pão duro, sovina, todos diziam isso., pensou em cortar um pouco de salame e por no pão amanhecido que sobrou da vendinha, mas depois pensou, afinal ele ia levar fumo e palha, talvez o compadre se condoesse dele e oferecesse alguma coisa, então desistiu. Montou no cavalo e iniciou sua jornada rumo ao Prumirim. Depois de enfrentar muito sol nas costas e amassar muito mato chegou à casa do compadre, era perto do meio dia, o sol estava quase a pino. Chamou o compadre:

– Cumpadre Jacozinho! Ó de casa!!!

Nesse momento surgiu seu compadre Jacozinho com a enxada suja de barro às costas parecendo que vinha da roça e disse:

– Se apeie desse cavalo cumpadre e vamos entrando pra gente proseá um pouco.

Jacundino desceu do cavalo, deu ao compadre o fumo e palha que trouxe esperando o convite do mesmo para almoçar. Entraram na casa e ele perguntou pela comadre.

– Cadê a cumadre Dinda cumpadre, tá na roça?

– Tá não, tá na cama doente, com constipação.

Pelo visto com a comadre doente, posso dar adeus ao almoço, pensou Jacundino.

– Cumpadre Jacozinho vou-te conta às novidades lá da cidade, muita confusão na política você nem imagina o balaio de gato que tá acontecendo lá.

– É mesmo cumpadre? Me conta tô morrendo de curiosidade.

– Conto sim, se for regado com um bom cafezinho de cana fica melhor.

– Me adiscurpe cumpadre Jacundinho, mas a garapa acabou hoje de manhãzinha, e o café precisa torrá os grãos e adispois moê, e com a Dinda de cama não dá pra fazer um café de cana, mas se quisé água da bica tem ali na moringa é só pegá.

Jacundino viu que não conseguiria nada do compadre, essa doença da Dona Dinda talvez fosse mais uma desculpa, esqueceu-se da fome e começou a prosear, contando os fatos verídicos e inventando outros. A conversa estava tão animada que eles nem perceberam que a tarde entrou noite adentro. Só perceberam quando viram o pisca-pisca dos vagalumes pela moldura da janela aberta em contraste com o céu começando a estrelar.

– Preciso ir mi já, anoiteceu cumpadre Jacozinho, vou pegar o cavalo e vou mimbora.

– Vai não cumpadre Jacundino, viaja a noite à cavalo nessa trilha é arriscado demais, pode o cavalo quebra a pata, vosmicê cair em argum barranco. É melhor vancê dormi por aqui e ir amanhã cedinho. Pode deitá nessa esteira de taboa, mas lava o rosto e os pés, para não sujá e estraga a esteira.

– Tá bom cumpadre Jacozinho – e vendo que não seria servido nada e a fome estava demais, seu estomago roncava mais que garoupa preza em anzol e entocada na pedra, viu na lavagem dos pés uma dica para pedir um de comer – mas posso lhe aperguntá uma coisa?

– Apergunte homem diga lá o que é?

– Será cumpadre Jacozinho que não faz mal lavá os pés com a barriga vazia?

– Faz não cumpadre –fingindo não ter entendido a indireta – faz mal lavar com a barriga cheia.

Lá do quarto a comadre Dinda, vendo que o compadre iria dormir na pura esteira aconselhou.

– Sinhô Jacozinho meu marido, arranja um cobertô pro cumpadre não passá frio.

– Cumadre Dinda – prontamente respondeu o Jacundino no desespero da fome – não precisa se incomodá, tendo arroz com farinha já tá bom pra mata a fome.

Joban
Enviado por Joban em 09/11/2016
Código do texto: T5818403
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