CHUVA


     Dona Ocirema do alto dos seus 87 anos era uma trabalhadora incansável. Mais conhecida na vizinhança como dona ema, muitos nem sabiam seu verdadeiro nome. A origem dizia ela era obra de seu pai que ansioso por um menino já havia até batizado o varãozinho de Américo, homenagem, teria dito ele a ela, a Américo pisca-pisca, da famosa obra de Monteiro Lobato, o Reformador do mundo, que alguém teria lido para ele quando criança. Mas ao invés do menino teria vindo uma menina. o pai homem modesto mas muito esperto não praguejou nem lamentou, apenas, ainda segundo ele, teria dado uma pitada no cigarrinho de palha, uma cuspidinha no chão de praxe e teve a brilhante ideia de inverter o Américo e assim continuaria homenageando o pisca-pisca.

     Ema, vamos seguir a maioria, estava desanimada, desacorçoada nas palavras dela, com a tal crise hídrica, que ela chamava de crise hidráulica. Essa falta de água constante a irritava. E guarda água da chuva! chuva? mas que chuva, cadê chuva??? era um tal de economizar água, banho de 5 minutos, guardar água da pia para usar no vaso; guardar água da máquina pra lavar o quintal e outras mandrakarias. mesmo assim a TV anunciava: o nível da represa está caindo, 20, 18, 17, 15, 14%. Dona Ema não aguentava mais. E chuva mesmo nada, nenhuma gota, 40, 50 dias sem chuva! e ninguém colaborava com a economia. ela saía no portão e via um vizinho lavando a calçada com mangueira, olhava para o outro lado e via outro vizinho lavando o carro... Ara, pensava ela, ninguém tem consciência!!! - Ah! fosse eu o criador, fazia chover todo dia das 3 às 5 da manhã, pra nenhuma planta perder a cor, pra nenhum animal morrer de sede e pra nenhuma velha como eu ficar carregando vasilhas de água por aí afora.

     EPA! Seria o espírito de Américo pisca-pisca falando por Ocirema??!! Enquanto dona Ema pensava e confabulava com seus botões, umas nuvens começaram a ficar carregadas no céu e quando Ema menos percebeu, CABRUMMMMM!!! CABRUMMMMM!!! Relâmpagos, trovões??? Teria São Pedro ouvido suas preces??? Não é que era? lá vinha ela, a   C H U V A ... O céu pretejou, o dia se afastou, o vento soprou forte... e a água desceu. dona Ema enlouqueceu, correu pro quintal, gritava, cantava, rezava, pulava, ajoelhava, agradecia... pegou uma vassoura e começou a dançar, e a água caia, caia, caia. De repente, um pé de vento mais assanhado, atrevidamente levou o vestido de dona Ema. Ela desesperada saiu correndo atrás do vestido que o vento matreiramente carregava, e saiu pela rua, seminua, com uma vassoura na mão, encharcada dos pés à cabeça. A vizinhança correu pra rua, a garotada fez a festa e a notícia correu o bairro mais veloz que o vento. A dona Ema ficou louca, gritavam todos. Chamaram a ambulância e velhota foi parar no hospital. Diagnóstico? princípio de pneumonia. Hum!! nessa idade?! interna, manda o doutor.

Tsc tsc tsc... tanta chuva, tanta festa, tanta água lá fora e dona Ema tomando Soro. pobre Ocirema.





09/09/2015

 
José Anunciado Arantes
Enviado por José Anunciado Arantes em 16/11/2016
Reeditado em 07/10/2019
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