Zé vaqueiro e a politicagem interiorana

Zé é sertanejo nordestino, magro, um típico vaqueiro das caatingas, usa um chapeuzinho de couro a Dominguinhos, lembra a figura do Dom Quixote, mas não anda a cavalo. Nasceu na Jaguaruana e por lá deve terminar os seus atribulados dias. Todos os seus irmãos já viajaram para Petrolina, Manaus, São Paulo, e ele para lugar nenhum, sempre foi o mais agarrado ao barro do vale jaguaribano. Tem um talento nato a criação de bichos, sabe lidar com gado, porco, carneiros e, na época das vaquejadas é o responsável por matar a sede dos cavalos corredores. Zé é simples, o cabelo é ralo, o andar é trôpego, os pés muito rachados e, parece que vive atrasado um século do presente. Está aposentado, mas praticamente não pega no dinheiro que ganha, a mulher é quem vai ao banco com o cartão e faz o saque todo mês. As irmãs do vaqueiro contam que ele na mocidade era muito bruto e ignorante, discutia facilmente, discordava e o que dizia estava dito, não adiantava alguém tentar fazê-lo mudar de ideia, parecia tratar melhor os bichos do que às pessoas.

Esses dizeres sobre ele, canso de ouvir ainda hoje, mas isso de ser renitente tem também o seu lado bom. Zé, tem mais de sessenta e cinco anos, era fumante, mas por que um dia disse que não queria mais fumar, cumpriu com a vontade e o dizer. Ainda rapazote casou-se, a mulher não era tão mansa, mas, coisas de marido e mulher é bom deixar com eles mesmos, se resolvem vão acertando o passo com o tempo. Vieram os filhos, um macho e duas fêmeas, cresceram, a mais velha casou-se, o rapaz se amancebou e algum tempo depois separou-se. A mais nova permanece solteira.

A rotina do dono da casa é aquela, levanta às três da madrugada, se manda para a vacaria, após ordenhar as vacas do patrão, vai à procura de capim ou desloca o gado de um curral para outro. Vê o dia nascer e é hora de transportar o leite, cuidar de algum animal adoentado, comprar ração. O homem não sabe o que é lazer, mas não se maldiz, certamente porque ama o que faz. Só que há um acontecimento social que envolve a maioria da população e balança com as raízes fundas do vaqueiro velho: a política, ou seja, as eleições locais.

Em época de campanha a lorota é grande, a discussão uma coisa horrível, as batalhas sem razão, os dizeres exaltados. Uma coisa deveras estranha se apodera do Zé e lá vai ele discutir com deus e o mundo em defesa do seu candidato. Por mais que se tente explicar o fenômeno, se descobrir de onde vem tanta paixão, ninguém consegue explicar. Não há raiz hereditária, o homem nunca teve um antepassado na família filiado a algum partido. Talvez a simples tomada de posição assim como acontece com os valentes torcedores de futebol, acontece com o Zé nas campanhas para eleição de prefeito.

Zé vaqueiro, é um cidadão, vota, tem direito a opinar sim, pode muito bem se engajar na política caso queira, mas acontece que ele é eleitor há mais de quarenta anos e nunca foi sequer a uma reunião na câmara municipal; não frequenta sindicato; não é líder comunitário; não está preocupado com esporte; educação e cultura, nem sequer frequenta algum clube ou igreja. A farra das discussões só acontece durante as campanhas e, em discutir e dizer que tem melhor candidato consiste em grande satisfação e prazer para Zé, aquele que trata melhor os bichos do que as pessoas.

Há por aqui um sujeito linguarudo e bem-humorado, este já me assegurou que o vaqueiro se dá melhor com os bichos porque os bichos não falam e não discutem com ele, e parece que o falador tem mesmo razão. A grande revolta de Zé, surge quando alguém tenta consertar ou contrariar o que ele diz, isso ele não admite. Na última eleição da cidade, a candidata do bruto vaqueiro foi eleita prefeita para a alegria dele, porém o coitado viveu nos dias de campanha tão grande tensão que quase morreu. Felizmente não feneceu daquela vez, mas não sei se na próxima ele suportará o tranco. É que a maior oposição que o homem enfrentou estava dentro de sua casa, e era sua própria mulher. Esta, o contrariou tanto que Zé disse:

- Perdendo ou ganhando a eleição eu não vivo mais com você muié depois da eleição! - Como eu disse, Zé é bruto, Zé não volta palavra atrás, nem mesmo estando errado, e Zé só não discute com os bichos porque os bichos não parlamentam com ele.

Vitorioso, por ter sua candidata eleita, quando ouviu pelo rádio a contagem do último voto, o homem desatou a sua rede e se mudou para a casa do pai que é vizinha a dele. Ocupou um quartinho e por lá está nos momentos em que não está tratando dos animais do patrão. Deixou o cartão da aposentadoria com a ex-mulher, a filha solteira lhe traz um prato de comida no almoço e outro na janta. E todos já estão avisados que se quiserem ter convívio razoável com o vaqueiro criador de bichos, a melhor coisa a fazer é nunca conversar muito nem contrariá-lo.