'' O GRANDE ABRAÇO ''

Fui visitar seo Nicanor.

Seo Nicanor tem 92 anos de idade bem vividos na sua ''simples'' simplicidade de homem roceiro, de homem da lida na terra, ainda nesta idade é forte, tem saúde e muitos casos e ''causos'' para contar e desde que me conheço por gente me parece que seo Nicanor sempre foi assim do jeito que é, bondoso, simples, alegre e de bem com a vida.

Viveu sempre na chácara em que nasceu lá no bairro do Lenheiro, o bairro parecia longe nos meus tempos de menina, demorava-se muito para por lá se chegar, as ''estradas'' eram de terra batida e quando chovia por lá ninguem ia mas hoje em dia está tudo asfaltado e em quinze minutos vou de minha casa até a chácara Paraiso e ''mato'' minhas saudades dos meus tempos de infância quando por lá eu ia brincar com as netas dele...que saudades!!!

Seo Nicanor se casou aos 21 anos com dona Deolinda, viveram juntos 70 anos ( ela faleceu aos 90 anos, que linda!!! ) tiveram filhos, netos e bisnetos e um tataraneto já está a caminho.

Fui me ''achegando e apeando'', os cachorros latindo e abanando os ''rabos'', e seo Nicanor levantando a cabeça de onde estava dizia pro Nero '' fazendo festa prá Mélia da dona Maria eh seo danado '' e Nero e ele vindo me receber.

Seo Nicanor quando eu ''apareço'' por lá pára tudo e fica passeando comigo pela chácara me mostrando tudo, novas ervas, novas plantas, novas flores, frutas, ninhos de passarinhos e ficamos na prosa gostosa e boa sentadinhos na varanda tomando café com bolinhos e haja casos e ''causos''..eu adoooorooo, amo de paixão prosear, papear, com seo Nicanor e duvido que haja uma só pessoa no mundo que não ame, adore isto tudo...eta vida boa!!!

E como neste dia da minha visita estavamos perto do Natal a prosa virou para religião e das '' guerras santas '' que hoje em dia se luta pelo mundo e seo Nicanor de repente ficou calado, olhando para o nada, fiquei esperando ele ''voltar'' do que me pareceu um transe momentâneo e quando ele me olhou começou falando...

Mélia, vou te contar uma coisa que só Deolinda sabia, eu só contei prá ela e ninguem mais e ela nunca contou para ninguem...

Eu estava nos meus 44 anos, a vida não estava fácil, familia grande, dinheiro pouco mas ia se vivendo e foi quando minha filha mais nova, a caçula, ficou doente dos rins, não fazia ''xixi'', começou a inchar e os médicos não davam '' vorta'' na vida dela, ela estava indo embora e eu, Deolinda, a familia toda, no desespero.

Um dia eu tive que ir até Campinas resolver assuntos por lá e depois que tudo estava resolvido nem sei por que ao passar em frente da Catedral eu resolvi entrar, a igreja é enorme, bonita mesmo e eu fui andando lá dentro, ia indo e nem sabia onde estava indo, a igreja tem várias capelas dentro dela, entrei na capela do santíssimo, rezei por lá e ao sair vi bem frente outra capela, entrei, era pequena, nem tinha banco para sentar, era ficar em pé ou então se ajoelhar em frente ao Cristo Cruxificado enorme que ficava dependurado na parede.

Fiquei em pé e pedi para ''ELE'' ajudar minha filha.

Senti uma emoção, um arrepio, eu estava de olhos fechados e senti um vento me bater de frente e nisto abri os olhos e lá estava ''ELE'' na minha frente, olhei para cima e a cruz estava vazia, havia luz, muita luz e ele veio vindo, eu parado e gelado, ''ELE'' vinha de braços abertos, eu abri os braços e ''O'' recebi...me deu um abraço apertado, eu o apertei em meus braços, senti paz, amor, calor, emoção, e chorava, ouvi sua voz me dizendo...

" Tudo vai ficar bem ......ela vai ficar bem, eu vou visitá-la ''

Eu ''o'' apertei mais ainda em meus braços, era bom Mélia, gostoso, como quando a gente segura um bebe nos braços e o bebe se acomoda, eu me acomodava nos braços ''dele'', não queria me separar jamais....mas senti o abraço se ''afroxando'' e quando dei por mim, abri o olhos e me peguei com os meus braços me abraçando, me apertando, olhei para cima e lá estava ele de novo na cruz...chorei, e pensava...

''Senhor, por que te colocam assim nesta cruz, para mim isto não vale, para mim o Senhor está vivo e vivendo ao meu lado e no meu coração '', e sabe de uma coisa Mélia?, senti um vento gostoso em meu rosto, como se fosse uma carícia, e fui olhar de perto a ''estátua''...notei que o ''dedão'' do pé ''dela'' estava um tanto que ''gasto'' de tanto as pessoas passarem as mãos, já que o dedão era o ponto que se conseguia alcançar...pessoas que como eu em algum momento da vida delas estavam desesperadas e na busca de uma milagre, terminei minhas orações e sai pra rua...estava leve e feliz.

Na volta para casa parei no hospital para ver como minha filha estava....ela tinha feito ''xixi'', estava sentada na cama, comendo e bebendo Mélia..bebendo água feito louca, matando a sêde Mélia....me enjoelhei ao lado da cama e chorava muito e ninguem entendia nada, ou melhor, entendiam que era um pai chorando de alegria...mas eu sabia, eu sabia...''ELE'' tinha ido ver minha filha, o médico dos médicos tinha tido o trabalho de ir até ela e curá-la Mélia

E minha filha contando para todo mundo que um doutor que ela nunca havia visto tinha ido vê-la, conversou com ela, ficou sentado na cadeira ao lado da cama, vestia roupa diferente, estava descalço e ela notou que o dedão do pé dele estava machucado

Mélia, sou um homem acostumado com muita coisa ''dura'', mas na hora que ela disse isto....'machucado'', me lembrei da estátua, do abraço, dele me dizendo '' vou visitá-la'' e me sumiu os sentidos, precisei ser socorrido, meu coração disparou, palpitava mais que bomba de poço artesiano, minha pressão subiu que quase fiquei internado por lá tambem...não conseguia mais dormir, fiquei ''desassossegado'' demais da conta Mélia e só sosseguei quando para Deolinda contei.

Ela não conhecia a capela do Cristo lá na Catedral em Campinas, fomos até lá, eu e ela fomos agradecer e quando lá chegamos a estátua era outra um pouco diferente, e nada do dedão machucado....rezamos assim mesmo e ao sair fui a sacristía, a atendente não soube me explicar sobre a estátua do dedão machucado, pediu para eu esperar, me olhava meio que desconfiada, talvez me achando maluco e foi chamar outra pessoa para informar.

Ouvi uma voz na minhas costas..

A estátua foi substituida.....

Me virei...um vento gostoso bateu no meu rosto, e vi um padre nos seus trinta com um rosto que me pareceu que eu já havia visto...senti paz, a voz era suave, e ele me explicou, bla bla bla o que havia acontecido...agradeci e me virei para sair, olhei para baixo e ele usava sandálias, ...estranho!!! pensei, um padre usando sandálias...e notei....no seu dedão um curativo....olhei para cima rápido e vi um sorriso bonito....era '' ELE''....era '' ELE '' Mélia, era '' ELE''...me assustei, peguei Deolinda pelos braços, sacudia a coitada e dizia...é ele, é ele...e ela....'' ele quem criatura...ele quem? '''....e fui saindo,

No corredor encontrei a atendente...

Senhor, não encontrei ninguem para lhe dar explicações e....

Não houvi mais nada, fugi dali apressado, fiquei imagiando em que hospital de ''loucos'' iriam me colocar se eu ficasse falando deste ''causo'' a torto e a direito.....toma mais café Mélia, coma mais bolinhos, tão bão demais Mélia e bla bla bla bla...

Pronto!! para ele o ''causo'' estava contado e encerrado, ele confiava em mim, ele sempre confiou, sempre, sabia que eu nunca contaria para ninguem até o dia que ele desta vida partisse que foi o que aconteceu neste dia de Natal.

Seo Nicanor deve estar agora cuidando da ferida do dedão do pé do Senhor Cruxificado, com certeza, ele não se conformava com isto, que alem da corôa de espinhos, das ''judiações'' e de tudo mais, ainda nestes dias atuais as pessoas tinham machucado até o dedão do pé do Senhor....que horror!! cruz credo, digo eu tambem, cruz credo!!

Entre tantos que fazem falta neste mundo seo Nicanor vai ser mais um...mas parece que tem uma coisa me dizendo..

""Quando voce quiser me visitar vai lá na Catedral....''

Vou sim, seo Nicanor, vou sim..com certeza.

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AMELIA BELLA
Enviado por AMELIA BELLA em 26/12/2016
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