O Narquita na campanha eleitoral

O Narquita nunca teve a percepção clara da relação dele com o poder político constituído, pois de política ele só sabia que o avô dele teria sido cabo eleitoral do Joaquim Francisco de Assis Brasil lá pelo ano de 1923 e, sendo maragato, chegou a ficar de vigília embaixo de um teto de couro cru por cinco dias à espera do pessoal do Antônio Augusto Borges de Medeiros, em Pedras Altas, o que lhe teria rendido um bronquite impossibilitando-o de continuar nas tropas revolucionárias.

Tendo em vista que o Narquita não usava qualquer tipo de serviço público, ele não tinha a mínima idéia qual era o papel dos políticos. Mas foi numa dessas campanhas eleitorais que ele teve a oportunidade de praticar suas idéias e prerrogativas de cidadania.

Os candidatos, um pouco tímidos, bateram palmas no limite de uma ramada de madressilva e aguardaram. A presença de estranhos foi logo denunciada pelo poder constituído de segurança do Narquita e um casal de quero-queros fez a maior gritaria e partiu pra cima dos “suspeitos”. O Narquita e um urubu rapidamente deixaram o que estavam fazendo e foram atender os candidatos.

– Eu sou candidato a prefeito. Bom dia!

– E eu sou candidato a vereador. Bom dia!

Antes de qualquer coisa, o Narquita falou com os quero-queros e acalmou o urubu (o casal de quero-queros fora adotado em substituição a um cusco e o urubu ele criou guacho depois de sua mãe urubu ter perdido o pescoço numa disputa por uma cabeça de galo com um graxaim).

– Bom dia!

– Podemos lhe dizer algumas palavras?

O Narquita olhou pro urubu como querendo dizer, afinal o que nós poderemos fazer com palavras, pois o seu forte era criação de javalis, nas palavras ele não tinha ido além de juntar algumas; mas, para não ser descortês, arredou o casal de quero-queros com o pé, e falou:

– podem entrar.

O Narquita ofereceu aos visitantes dois bancos de cortiça, ele sentou-se num cepo de coronilha, enquanto o urubu retomava sua posição de vigília sob a sombra de um pé de figueira.

– Nós vamos melhorar a saúde. – Disse o candidato a prefeito.

Diante da frase do candidato, veio à lembrança do Narquita a figura do avô, que teria aderido à candidatura do Assis em represália às promessas não cumpridas do Borges, mas isso era “papo” da época; quem sabe as coisas tinham mudado. Embora céptico, comentou:

– bom, eu não sei como melhorar essa tal de saúde, mas o que eu tenho a dizer e, até não é por mim, mas quando eu saio com o meu amigo urubu ele tem se queixado mesmo é do esgoto a céu aberto que encontramos em alguns pontos até chegar à casa do Filolau. E, se os quero-queros estivessem aqui, eles, certamente, se queixariam dos mosquitos desses mesmos esgotos.

– bem... – Respondeu o candidato a vereador. – Na segurança, vamos acabar com os roubos e assaltos.

Rapidamente o Narquita foi instigado pela idéia da expansão de seus negócios: vou começar a treinar quero-queros e vender para o poder público, eu resolvo o meu problema e eles o da cidade.

Continuou o candidato a prefeito:

– e tem mais, vamos gerar empregos como nunca se viu nesta cidade.

Esta era um tipo de promessa que sempre intrigava o Narquita, pois o avô dele já comentava sobre a promessa de candidatos sobre a geração de empregos, que na época o pessoal chamava de geração de CC’s, que inadvertidamente teria sido confundido pelo Filolau como alguma coisa que estaria sendo doado pelos americanos, o que mais tarde fora explicado por um letrado do Passo das Carretas que se tratava de Cargo Comissionado.

– Bem. – Disse o Narquita. – Em que mais eu posso ajudar?

Dado a inversão dos entes no debate, o que poderia resultar num embate de proporções imprevisíveis, os candidatos acharam melhor encerrar a visita e, de pronto, deixaram a residência do Narquita.

– Narquita, – disse um dos candidatos – foi muito enriquecedora a nossa conversa, tenha um bom dia!

E se foram. Um pouco melancólico, pois visitas sempre era visto pelo Narquita como uma oportunidade de aprender alguma coisa, despediu-se:

– Passar bem.

O urubu e o casal de quero-queros que entenderam o “passar bem” como “pegar bem”, avançaram sobre os candidatos, que se não fosse a rápida intervenção do Narquita, teria resultado em tragédia, ao que o Narquita exclamou em silêncio: – quase que acabo me incomodando por nada!