Matinta perera

Quando não havia culpado aparente pelos acontecimentos que aconteciam lá no interior da floresta, culpava-se a “matinta perera”. Tinha as costas largas, como se diz no interior. Mas dessa vez, não restavam dúvidas, era ela a culpada pelo estrago na plantação de melancia. Mas quem seria a matinta, qual dos moradores do vilarejo estava enfeitiçado e infernizava a vida das pessoas?

— Eu descubro quem é e dou cabo dessa infeliz, seja quem for — falava enfurecido seu Gerônimo ao chegar em sua plantação de melancia pela manhã, a plantação estava devastada, além de seu cavalo morto, parecia que antes de matá-lo haviam dado uma surra e lhe sugado todo o sangue.

Já havia se espalhado a notícia que a matinta perera, além de pássaro que soltava aquele assobio estridente de arrepiar, havia evoluído a animais maiores, e que não havia mais remédio, a não ser a morte. Seu Gerônimo se propôs a investigar e andava sempre atento aos habitantes da vila. Não ouvira ninguém ofertando nada e tão pouco ouvira algum assobio perto de seu barraco, afim de oferecer algum fumo.

A noite de lua cheia já seria a seguinte, certamente a enfeitiçada iria dar as caras, era só esperar. Resolveria o problema da vila, além de salvar uma condenada do feitiço. Na tarde foi ao capoeirão e preparou o ambiente: abriu uma clareia e fez um jirau. A noite chegou e seu Gerônimo se pôs a esperar.

Eis que surgiu uma senhora, tentou reconhece-la mais não conseguiu. A arma já estava preparada:

— Se virar bicho eu atiro sem dó — falou baixinho.

De repente a senhora começou a gritar com uma voz estridente, no céu, a lua parecia testemunhar o que ocorreria ali. A senhora se contorceu, caiu no chão. Gerônimo se recordou que não pode ver aquilo, caso contrário o feitiço poderia ser transferido para si, tentou ficar com os olhos meio que cerrados. A situação era diabólica, mas Gerônimo nem se deu conta, quando abriu os olhos, estava sozinho escondido no jirau da clareira.

Desceu rapidamente e se embrenhou na mata, suava frio, estava com medo, poderia ser atacado a qualquer momento. Escutou o assobio, um frio congelante lhe subiu pelo espinhaço. Mas mesmo assim prosseguiu, precisava proteger sua plantação e sua pequena criação de porcos.

Foi primeiro a plantação de milho, mas nada encontrou, correu para o chiqueiro e ao se aproximar escutou o grito dos porcos. Chegou mais próximo e viu seus animais sendo abatidos, estavam sendo sugados pelo pescoço, a matinta perera queria sangue e muito sangue, já tinha matado dois porcos. Gerônimo se escondeu atrás de uma árvore procurando achar o melhor momento para disparar. A espingarda estava carregada com chumbos de prata, mirou várias vezes, mas sempre os porcos cruzavam na frente. Tomou coragem, saiu de trás da árvore e gritou para chamar a atenção. Era um animal horrível que ele não conhecia, veio em sua direção, nervoso, dá dois disparos. O animal desviou de Gerônimo, estava ferido. Desapareceu novamente no capoeirão.

— Agora é esperar o defunto de amanhã — Concluiu Gerônimo tentado se recompor do medo que sentia.

Dois dias depois ao voltar da roça ao meio dia, a esposa veio dar-lhe a notícia:

— Você já soube que sua tia Jurema faleceu? — Fala tristemente.

— Não estou sabendo de nada, morreu de quê? — Indaga admirado.

— Há dois dias atrás se machucou dentro da roça de mandioca, caiu sobre uns tocos que lhe furaram a barriga, porém o mais estranho é que ela não quis que ninguém visse e tão pouco a cuidasse.

Ao ouvir o relato da mulher, Gerônimo levantou-se e já do lado de fora gritou para a mulher:

— Estou indo lá no velório!

Ao chegar perto do caixão, tomou coragem, ergueu a roupa da defunta. Viu a ferida aberta com um chumbo de prata dentro e no fundo do caixão outro luzia ao ser iluminado por um raio de sol que entrava pela brecha do cavaco.