Ô Xente!

     Num domingo qualquer, um homem patola ia avexado em sua montaria, com destino certo. Porém, quando adentrou a rua que dava para a feira da comunidade, mudou de ideia e puxou às rédeas do cavalo, que pinoteou mas parou a seguir. O homem apeou do cavalo e o amarrou num pé de planta ao lado da feira e ali o bicho ficou.
     Era um rugi-rugi danado. Uma ruma de gente circulava pela feira em meio ao fuzuê. Era bode, pato, galinha caipira, jegue e muito feirante querendo chamar a atenção dos circulantes, em meio às barracas improvisadas. Fora os forrozeiros, animando a feira.
     Tinha menino catotado, mas medonho, vendendo bagana. Parecia carecer de um tudo.
     O povo vestia suas roupas domingueiras e os jovens aproveitavam para paquerar, enquanto os mais velhos vaziam a feira.
     Num dos cantos da praça, o cavaleiro patola, conhecido como Galego, avistou o boteco improvisado, que pertencia a Tamborete de Forró. Ali, este, vendia meiotas para os melados de cana, que só tinham alguns miúdos. Era cada nó cego que dava dó. Uns pinguços, na verdade.
     Galego arrudiou a barraca do Tamborete de Forró e avexado, ordenou:
     - Avia homi!
     Em meio ao conversê, um deles anunciou: - Sabiam que seu Toinho bateu a caçuleta? O homem era baludo e assim mesmo se foi. Que Deus o tenha...
     - Ô xente! Mas o homem era parrudo ainda...- E todos brindaram em respeito ao defunto.
     E a conversa corria solta, enquanto as meiotas desciam garganta abaixo e o tom das vozes ganhava cada vez mais força.
     Um brotinho desfilou com seu califon rosa por debaixo das transparências da roupa, calçando alpercatas também rosa. Florzinha era uma menina formosa e enxabida.
     Um dos presentes no bar do Tamborete de Forró seguiu Florzinha com olhos desejosos e declarou: - Carece de levar uma pisa! Sua quenga! Tô dizendo!
     No mesmo instante, um dos bebedores de cana aprumou o corpo e de um pulo ficou de pé:
     - Cabra! Tu não mexe com a Florzinha... Mexeu com ela, mexeu comigo... è de família a menina.
     - É quenga sim! Tô dizendo!
     E o furdunço estava armado. Acusador e defensor se botaram um de frente para o outro como galos de rinha:
     - Seu cabra safado!
     - Seu surrupeio!
     Num repente, o acusador levou uma cipuada no pé do ouvido e caiu como jaca madura ao lado da mesinha de plástico, próximo ao Galego. Este, que assistira a tudo calado até o momento:
     - Calma homi! Não carece este entrevero.
     O acusador de Florzinha massageava a bochecha e declarou: - Não dê pitaco Galego!
     Mas Galego não se deu por satisfeito e: - Desenbucha aí homi... confessa que tu é doido por Florzinha. Tá enfezado por que ela não te dá mole.
     Quando perceberam, um frivião de gente acercava o boteco de Tamborete de Forró, que no mesmo instante pulou para cima da bancada, colocando ordem no recinto:
     -Chega de furdunço! Chega de fuzuê aqui! Respeitem o defunto... e você infeliz da costa oca, acaba esta cana e tome seu rumo!
     O acusador aprumou o corpo, tomou o último gole e deixou a feira trocando os pés.
     A ruma de povo curioso dispersou e a paz persistiu até que outro brotinho passou rebolando os quadris, próximo ao boteco.
     Com olhar intertido, Galego seguiu o rebolado da morena cor de jambo e declarou:
     - É quenga! Tô dizendo!

                                   Cristawein


Termos potigueses do texto:
Patola – homem musculoso
Avexado – apressado
Pinotear – saltar, pular
Pé de planta – uma árvore qualquer
Rugi-rugi – tumulto, muita gente
Ruma de gente- muita gente
Catotado – sujeira de nariz
Bagana – doces, balas
Galego – de cabelos louros
Tamborete de Forró – muito baixo
Meiotas – meia garrafa de cachaça
Miúdos – dinheiro trocado
Avexado – apressado
Avia – ande logo
Baludo – cheio da grana
Parrudo – cabra forte
Califon – sutiã – porta-peitos
Alpercatas – sandália de dedo
Quenga – prostituta , cuia feita
Ô Xente – interjeição de espanto
Furdunço – bagunça
Surrupeio – inseto venenoso
Cipuada – porrada
Frivião – multidão
Fuziê - tumulto
Infeliz da costa oca – expressão para xingar alguém.
Intertido – atento em alguma coisa




 
Cristawein
Enviado por Cristawein em 06/05/2017
Reeditado em 24/09/2017
Código do texto: T5991671
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.