SOMHO DE UM CORONEL MACHISTA

Na fazenda Bocaina pairava no ar um clima de esperança e euforia. Tudo ali girava em torno da esposa do coronel Tibúrcio. Ela estava para dar a luz. E ele ansioso por um filho varão a cercava de todos os mimos, não admitia em hipótese alguma que algo de errado ocorresse. Inhá Chica deixou a senzala e, instalou-se ao lado do aposento da sinhá gestante.
Com vasta experiência adquirida em sua terra natal, a mãe África, ela ganhou a confiança do coronel. Seus escravos a maioria, jovens criados na fazenda. Nasceram todos pelas mãos daquela genial pretinha. Parteira de mão de mão cheia, virtuosa de alma branca e coração de ouro.
Pernoitando ao lado dos aposentos do casal, ela colocou tudo em ordem. esperando o sagrado momento em que a sinhá Maricota daria a luz. Nada poderia dar errado. Ansioso para ouvir o choro de um bebê entoado pelo casarão, o coronel periciava todos os preparativos para a chegada do que seria seu primogênito. Ordenou que o leito na alcova aonde seu rebento viria ao mundo fosse a cortinado com seda pura e perfumado com os mais finos aromas silvestres.
Cercada pelos mimos do marido desde o dia que tivera a confirmação de sua gravidez, Maricota não trabalhou mais. Ele não permitiu. Cheio de expectativa aguardando a chegada daquele que seria seu futuro sucessor. Duas mucamas consideradas as mais saudáveis em sua senzala foram escolhidas como damas de companhia, e colocadas a disposição da esposa 24 horas por dia.
Haviam se passado cinco anos, desde o seu casamento e nada de filhos. Embora buscassem métodos de fertilidade, com os mais renomados charlatões e curandeiros da região. Só agora seu sonho tornaria realidade.
A sinhá até gelava, quando uma de suas acompanhantes lhe dizia da eventual possibilidade de nascer uma menina, e, não um menino como o marido desejava. Mas ninguém atrevia dizer isso ao coronel, que sonhava com o filho cavalgando ao seu lado. Pelas belas e verdejantes pradarias de sua imensa fazenda.
Eis que chegou o tão sonhado momento. Às treze horas do dia treze de agosto do ano de1813 o Coronel, que ausentara por algumas horas vistoriando seu rebanho, retornou. Arrastando suas esporas pratiadas pelo assoalho, adentrou a casa grande. Sentiu-se flutuando no ar ao ouvir o choro forte de um bebê vindo da alcova. Eufórico e maravilhado pela adrenalina que o tomou de assalto, ele moderou seus passos pisando com a ponta dos pés sorrateiramente. Sem perceber sua aproximação, Inhá Chica exclamou em alto e bom som:
-- seja bem vinda --, oh linda princesa!
- Maricota acabara de dar a luz a uma robusta menina. Ouvindo isso Tibúrcio deu meia volta. Só ouviram um xerém-terém do seu par de esporas  riscando o assoalho pela casa grande afora.
Prudêncio seu escravo, um sexagenário, marido de Inhá Chica que no momento recolhia esterco no curral para o pomar, notou seu desconforto, rumo ao estábulo. Percebendo que algo de errado estava acontecendo o acompanhou.
Debruçado sobre um monte de feno, o coronel esfregava as mãos desejando que o chão se abrisse, para que ele enfiasse de ponta cabeça onde ninguém o encontrasse.
-- O que foi coroné que aperreio é esse meu sinhô --, Vosmecê imperrengou?

-_ Mais inhantes fosse Prudêncio, inhantes fosse--, é Maricota dei pra ela de tudo mode me trazer um minino macho, ela me trais uma fêmea?
_ É a vida coroné, deixe de aperreio home, vai cunhicê vossa fia e da ua força pra sinhá, fais isso não, sinhô, se num fosse à muié num tinha vida humana na terra, pensa nisso, as dispois tem muita vida pra frente Vosmecê vai tê mais fio vai vim macho cum certeza!



 
Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 30/06/2017
Reeditado em 04/07/2017
Código do texto: T6041582
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