O SONHO DE CORONEL MACHISTA 2º EPISÓDIO

À tarde caio e o crepúsculo engoliu os últimos raios de sol, as sombras da noite avançavam lentamente desfazendo as silhuetas das arvores. Haviam se passado quase seis horas, do episodio envolvendo o nascimento da filha do coronel. Apenas Prudêncio sabia onde o ele estava metido. Pouca luz penetrava no estábulo o tornando quase invisível, sua imagem confundia com os fardos de feno amontoados. Emburrado sobre eles Tiburcio não arredou pé de lá. Aproximando-se dele o escravo o indagou:
-- intão coroné seu cavalo ta sapatiano e mascando freio, se voismicê permite vou disatrelar o animar mode o bicho e discançà!
Fais isso sim Prudêncio, ieu fiquei tão incafifado que isquíçi qui o mardito do cavalo tava aí fora amarrado!

--Óia cum todo respeito qui tenho pru sinhô, mais voismicê, ta errado, um coroné tem qui cê valente e mostra pra tudo qui é gente do qui é capais, num pode butá o pigarro do carro no chão, só pru mode qui nasceu uha fia mué, quando ele quiria era um macho. Não meu sinhô levanta a cabeça bota os miolos pra matutá!
Já teve tempo de sobra mode pensá no cunverseio de nossa prosa. Larga mão desse aperreio vai Tuma um baim quente e caçá o de cumê. Pensa bem vossa fia num tem curpa de cê muié, as dispois pensa cumu tá o coração de sinhá Maricota, qui quiria tanto cumo voismicê um fio home mode cumpri cum seu desejo. Mais o distino foi traiçoeiro. Coroné. Mió memo é voismicê aceitá. O sinhô bem sabe qui Deus iscreve pur linhas tortas e sai tudo do jiitinho que pricisa, vai lá coroné cunhicê vossa fia e sabê do qui tão pricisano.

Embora transtornado, mas tocado pela prosa de seu escravo ele encorajou, engoliu seu orgulho e dirigiu ao encontro da esposa. E como se nada tivesse acontecido  adentrou à casa, caminhando sorrateiramente pelos corredores sob a luz morteira dos candeeiros rumo à alcova. Percebendo sua aproximação, entre soluços e lagrima Maricota disse:
_ Me perdoa meu marido, juro pur tudo qui é sagrado, ieu quiria um fio home tanto cumu voismicê!
Sentando na cama ao seu lado, emocionado sem dizer palavra alguma, Tiburcio tirou o lenço do bolso enxugou as lágrimas da esposa e beijou seu rosto!
Inhá Chica colocou a menina em seus braços afirmando:
-- Dessa vez coronè num veio como voismicê quiria mais dotra veis vai sê home cum certeza, agora é cuidá bem de vossa fia. Pruque ela vai te dá muita aligria. Tremulo e com a voz embargada ele se fez de rogado dizendo:
-- Vô tenta Inhá Chica; vou tenta! Afinar é minha fia, e num tem curpa de ter nascido muié num é memo?
Suas palavras fizeram com que Maricota engolisse o choro e se sentisse mais aliviada enxugando as lagrimas com ponta  de seu cobertor.
-- Agora coroné voismicê vai rumá leite de vaca, mode a minina mamá, inté a sinhá ajuntá leite, se tivé vaca de bizerro nuvinho, nascido hoje iguar sua fia,é mió ainda.
-- Inhá Chica leite de vaca parida hoje é colostro!
-- Pois óia coroné é o mió, o colostro limpa os intistino. E tem mais, criança qui mana colostro num sofre cum dor de barriga. E cria incorajado, e num tem medo é de nada no mundo. Quando entra num curral é respeitado até pur gado brabo. Vai lá trazer leite prela mamar. Qui ela já nasceu caçano o de mamá. E o coroné sumiu in desde cedo ninguém deu nutiça donde andava ieu tava num pé noto pensano o qui fazê mode alimentá vossa fia!
Coronel Tiburcio foi ao curral, mimosa uma vaca preta acabava de dar cria, a um bezerro pretinho idêntico a cor da mãe. Embora cheio de dúvidas, mas como confiava piamente em sua escrava, ele ordenhou seu colostro e o levou atendendo ao pedido da parteira.
Maricota achou aquilo muito estranho, mas nem questionou Inhá chica por sua atitude, já se dava por satisfeita com aquela aceitação, embora amargurada de seu marido. Pois era visível que por dentro ele se sentia arrasado.
Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 04/07/2017
Reeditado em 14/07/2017
Código do texto: T6045398
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