*Hotel da Nizete

Hotel da Nizete

Coisas que só acontecem comigo - XXIX

No meio do sétimo decênio do século passado, eu trabalhava no Exército e fui realizar um trabalho na localidade Zé Doca, no Maranhão, que, por esse tempo, ainda era município de Monção.

Já se falava na emancipação da quase cidade, que passava por transformações, especialmente em função da construção da BR-316 (Maceió-Belém) que passava por lá. Claro que era um local carente de quase tudo. Telefone fixo é artigo de rico e nem me lembro se lá existia posto telefônico.

Havia um único hotel, que funcionava numa típica casa residencial, de um só piso, e constantemente superlotado. Deveria ter, no máximo, uns seis quartos e, por isso, era comum acomodar em cada cômodo muitas pessoas de procedências diversas, que nunca se tinham visto antes. Graças a Deus que, por esse tempo, o índice de violência era insignificante, mas mesmo assim, era fácil imaginar que as pessoas não depositavam confiança plena em desconhecidos.

Eu sempre tive muitas resistências para entender certos comunicados, como por exemplo, a frase que vinha logo abaixo do nome do estabelecimento: HOTEL NIZETE Ambiente inteiramente familiar.

No hotel havia um só banheiro, ao final de um longo corredor. Imaginem agora que tormento isso representava. Se por desventura alguém tivesse um distúrbio estomacal e encontrasse o banheiro ocupado, não sei o que lhe aconteceria...

Quando anoitecia, muitas redes eram armadas no meio das duas salas, para abrigar os hóspedes que não estavam nos cômodos, o que dificultava muito o transitar das pessoas, que passavam quase acocoradas por baixo dos punhos das redes..

De especial, havia um quarto destinado apenas para as mulheres e os homens estavam proibidos de chegar perto da porta, regra que era seguida religiosamente. Na verdade, não existia porta de madeira e sim, uma toalha servindo de cortina. De exótico, havia a distribuição em pontos estratégicos de urinol, popularmente conhecido como penico, isso por motivos já explicados.

Neste hotel, era costume apagarem-se as luzes por volta das 23h, quando todos estavam recolhidos e era exatamente nessa hora que ninguém conseguia dormir mais, pois era tanto homem tateando as paredes, procurando o quarto das mulheres, que era ariscado se chocarem na entrada.

Como eu não estava sabendo desses esquemas e não me liguei que todas aquelas recomendações não passava de “migué”. Na minha primeira noite no hotel, acordei não sei a que hora da noite com uma pessoa enroscada, tentando passar por baixo da minha rede, que ficava bem na entrada do quanto das mulheres. Apavorado gritei:

- Acendam as luzes que tem um ladrão no hotel!

Coitado do infeliz suposto ladrão! Mais apavorado que eu, saiu aos trancos, temendo ser pilhado, levando pela frente o que ia lhe aparecendo. Na correria, chutou uns dois penicos. aumentando ainda mais o barulho, antes de acertar com a rede dele. Quando se acenderam as luzes, quem não fingia estar dormindo, ria descaradamente. A catinga de número 1 no assoalho estava de causar enjoo.

- Eu não fui! –disseram uns.

- Eu não vi nada!

- Nem eu! - responderam outros.

Eu emendei na mesma toada:

- E quem gritou pega ladrão?

No dia seguinte, o comentário era um só! Antes de pagar minha conta no hotel, peguei uma lata de tinta vermelha que eu usava nas marcações topográficas e fiz um “X” bem grande sobre a frase AMBIENTE INTEIRAMENTE FAMILIAR, dos dois lados da placa.

Fala sério, eu não mereço!